Público - 27 Nov 04

Avós Ganham Cada Vez Mais Protagonismo
Por ANDREIA SANCHES

As famílias são cada vez mais pequenas em números absolutos, mas mais multigeracionais, sendo que "a condição de avô/avó e respectivos papéis e relações estão a assumir um relevo crescente na sociedade contemporânea do Ocidente", afirmou ontem Sarah Harper, investigadora da Universidade de Oxford, no primeiro "Congresso dos Avós", que está a decorrer na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

"Estima-se que algumas pessoas possam ser avós por mais de metade das suas vidas", lembrou a antropóloga. Há estudos que apontam para que actualmente quase um terço das pessoas no Reino Unido sejam avós, papel que desempenharão em média 25 anos. Outros trabalhos sugerem que provavelmente três quartos da população chegará à condição de avô.

A diminuição das taxas de natalidade, o aumento da esperança de vida, a diminuição da mortalidade, o facto de as mulheres optarem por casar e ter filhos mais tarde faz com que "o mundo inteiro esteja a ficar mais velho", mas também com que haja cada vez mais avós e bisavós com plenas capacidades e saúde para terem uma vida activa e poderem "ser úteis à sua família", explicou.

Harper referiu que há "provas consideráveis", entre as espécies não humanas, "de que membros mais idosos da população, em particular dos avós, desempenham um papel importante no êxito da sociedade".

Nalgumas espécies, a presença dos avós contribui até para uma diminuição significativa da mortalidade infantil.

"O drama da longevidade"

Mas as mudanças demográficas das últimas décadas colocam também desafios. A par do fenómeno dos filhos que saem tarde de casa, também há hoje alguns adultos que desempenham durante mais tempo da sua vida o papel de filhos com pais dependentes a seu cargo do que de filhos dependentes, referiu Harper.

Num artigo para uma revista médica no Reino Unido, Harper alertou para a enorme pressão que existe na vida de algumas mulheres de 50 e 60 anos que são simultaneamente filhas, mães e avós e tentam conciliar essa condição com uma vida profissional intensa.

"Recebi comentários a esse artigo de vários médicos que confirmaram que de facto era realmente assim, apesar de este ser um tema pouco abordado", disse a uma audiência constituída por muitos avôs e avós.

Entre as pessoas que assistiram ao primeiro dia do congresso - que termina hoje - estava Maria de Lurdes Piló, de 65 anos, avó de oito netos e voluntária num serviço da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de apoio ao domicílio a idosos.

A mãe de Maria de Lurdes Piló tem 105 anos e 23 bisnetos, o mais velho dos quais com 19 anos de idade e o mais novo com apenas um. "Brincou com eles até aos 90 e tal anos e viveu com uma filha que já tinha 70, até aos 97". Depois decidiu, ela própria, que gostaria de ir para um lar, onde vive actualmente.

"É complicado na sociedade dos dias de hoje lidar com esta realidade [das famílias multigeracionais]. As casas são pequenas, as vidas profissionais mais agitadas, não existe ajuda doméstica, como havia antigamente. É este o drama da longevidade. A sociedade tem de arranjar soluções", referiu, sublinhando que em Portugal impera ainda um preconceito em relação aos lares, havendo muitas pessoas, com as quais lida no serviço de apoio a idosos, que se recusam a ser internadas.

Sarah Harper, por seu lado, sublinhou "uma tendência muito interessante" que mostra que se assiste hoje a um reforço dos laços entre os mais velhos e os mais novos do agregado. Isto até nos países onde a mobilidade (por questões profissionais, por exemplo) dos membros da família é muito grande. "Talvez porque vivemos numa sociedade tão individualista e as pessoas começam a procurar âncoras, referências... fazem-no dentro da família", justificou a investigadora.

O papel dos avós em situações de divórcio foi igualmente abordado. Segundo relata a Lusa, alguns participantes reclamaram mesmo um reforço da salvaguarda dos direitos dos avós de manter contacto com os netos em caso de separação dos pais.

Também a questão do direito à custódia tem sido levantada em vários países, nomeadamente nos Estados Unidos da América, onde cerca de 3,7 milhões de avós estão actualmente a ajudar a educar 3,9 milhões de crianças. O número de lares chefiados por avós aumentou mais de 50 por cento na década passada; 1,3 milhões de meninos são mesmo criados exclusivamente por avós.

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