Público - 27 Nov 04
Instabilidade
dos Pais Causa Depressão das Crianças
Por
ALEXANDRA BARATA
Um estudo
realizado na Unidade de Primeira Infância (UPI) do Hospital de D.
Estefânia, em Lisboa, com 20 crianças com menos de três anos às
quais foi diagnosticada depressão, concluiu que, em 75 por cento dos
casos, a mãe também está deprimida e em 65 por cento há desemprego
no meio familiar.
A análise das
perturbações do meio/parentalidade permitiu ainda apurar que em 40
por cento há conflitos em casa ou separações, em 35 por cento
antecedentes maternos de maus tratos ou negligência e em 25 por
cento problemas de toxicodependência ou alcoolismo.
O número de
crianças com o diagnóstico de depressão tem vindo a aumentar nos
últimos anos, tendência que se deverá manter no futuro, afirmou
Marco Medeiros, pedopsiquiatra daquela unidade, à margem das XII
Jornadas de Pediatria de Leiria e Caldas da Rainha, que terminaram
ontem em Leiria. O pedopsiquiatra justificou a depressão das
crianças com o facto de estarem sujeitas à instabilidade dos pais,
que estão preocupados com outros problemas e, consequentemente,
pouco disponíveis para elas.
O clínico
alertou ainda para o facto de aparecerem bebés na consulta que
passam 12 horas no jardim-de-infância ou na ama, muitas vezes sem
qualidade, pois os pais optam por escolher as soluções mais baratas
e mais próximas de casa. Em consequência disso, as crianças acabam
por não conseguir estabelecer um relação alternativa fora do meio
familiar, que poderia contribuir para colmatar a "falha" que trazem
de casa.
Para agravar a
situação, Marco Medeiros revela que as crianças deprimidas
habitualmente não despertam o interesse dos técnicos, pois
mostram-se apáticas em relação ao que as rodeia e indiferentes em
relação aos prestadores de cuidados.
Olhar fixo e
inércia motora são, por norma, os sintomas mais comuns nos bebés
deprimidos. À medida que o seu estado clínico se agrava, chegam a
manifestar distúrbios alimentares, como anorexia, perda de peso,
paragem no crescimento, atraso no desenvolvimento psicomotor e
perturbações do sono. "Infelizmente, as crianças, quando se mexem de
menos, não são factor de preocupação. Se não for a educadora ou o
pediatra a ver, muitas vezes só se conhecem estas situações mais
tarde", explica o pedopsiquiatra. Aliás, em 65 por cento dos casos
analisados, diz que os pais só as levaram ao D. Estefânia quando
começaram a fazer birras ou a revelar alguma agressividade.
À margem do
encontro, Marco Medeiros lembrou que "a criança, para se
desenvolver, precisa de uma relação de vínculo, estável e contínua,
com a mãe e com os prestadores de cuidados". Os problemas
relacionais são, assim, a causa mais frequente da depressão na
primeira infância, embora não sejam de excluir factores genéticos,
ambientais e sociais. O clínico alerta ainda para o facto de uma
criança deprimida, quando não é tratada atempadamente, ficar mais
vulnerável a novas depressões no futuro.
 |