Público - 13 Nov 04

Deveremos Banir as Classificações?
Por SANTANA CASTILHO

Alegando toda a turbulência que marcou o ano lectivo e invocando a desigualdade de situações que daí resultaram para os estudantes, a Confederação Nacional das Associações de Pais defendeu, com veemência, o adiamento dos projectados exames do 9.º ano por mais um ano.

No mesmo sentido pronunciaram-se várias associações de professores. Retive as seguintes: Associação de Professores de Educação Técnica e Tecnológica, Associação de Professores de Educação Física, Associação de Professores de Educação Intercultural, Associação de Professores de Educação Visual e Tecnológica, Associação de Professores de Electrotecnia e Electrónica, Associação de Professores de Geografia, Associação de Professores de Português e Associação de Professores de História.

Mas foram mais as que se mobilizaram sob o mesmo desígnio, para não citar, ainda, estruturas federadoras destas associações, numa lógica burocrática que surpreende. Nesta sede, o argumento é diverso e radica, entre outros aspectos, no desconhecimento do tipo de provas e peso respectivo na decisão final, sendo certo que, legalmente, tudo isto devia ser claro no início do ano.

Dias volvidos ouvi, ocasionalmente, a ministra da Educação falar a uma rádio sobre os projectados exames nacionais do 9.º ano. Não consigo, naturalmente, reproduzir "ipsis verbis" o que disse. Mas o sentido foi claro e dominante: a ministra acha e espera que os exames não contribuirão para reprovar alunos. Referiu o peso limitado que terão na nota final, 30 por cento, e o modo como se expressou permitiu-me, sem dificuldade, ler o que lhe ia na mente: com exames ou sem exames, tudo continuará igual.

Dias antes, as baterias apontaram-se aos decantados "rankings" de escolas e seus malefícios. Os juízes condenatórios alinharam-se de sindicatos a "investigadores". A sanha persecutória levou mesmo o ex-reitor da Universidade do Porto, Alberto Amaral, a preconizar a proibição pura e simples da publicação dos "rankings".

Tanta agitação à volta de iniciativas classificativas justifica alguns comentários, a saber:

1. Muitos intervenientes na discussão pública destes fenómenos mostram grande incoerência quando lhes cruzamos a produção teórica com as opções práticas. Dito doutro modo, defendem coisas, ao nível do discurso, que só são realizáveis com a adopção de medidas que, depois... rejeitam. Afrontar pessoas e interesses é a última coisa que desejam.

2. Quando o Governo cede à lógica anterior, só operando mudanças que deixem tudo na mesma, suicida-se. Só teremos progresso a partir do momento em que as rupturas não amedrontem quem decide.

3. Era tempo e era útil encontrarmos dois instrumentos de uso imperioso: um para medir a verdadeira representatividade de tanta associação e de tantos sindicatos; o outro para auscultar todos os que lá não se alistaram.

4. Mais importante que avaliar a quantidade e a qualidade do conhecimento acrescentado aos alunos é o acto efectivo de o fazer. Mas se não compararmos o que projectámos com o que realizámos (avaliar) não teremos condições para corrigir processos e perderemos o norte operacional.

Do mesmo passo, o que fazemos no remanso da sala ou da escola tem que ser validado exteriormente, face à sociedade que nos paga e tem o direito de exigir a adopção de instrumentos de relativização de juízos tão díspares de escola para escola, de professor para professor, num mesmo país.

É para isso, também, que devem servir os exames nacionais. Com inconvenientes, como tudo na vida, são incontornáveis. E a análise séria dos resultados da sua abolição demonstra-o, sem sombra de dúvidas. Por fim, classificar, não sendo a actividade mais nobre do processo, é um passo necessário. A sociedade não dispensa essa informação para ultimar operações e fazer escolhas. Desagradável para os últimos da série? Naturalmente. Mas na vida real, em todos os campos, não convivemos apenas com o agradável. Não faz sentido falar de sistema nacional de ensino sem a existência de um instrumento credível, sério, de avaliação e classificação, que diferencie o que não é igual e seja suficientemente potente para o fazer com clareza.

5. Trinta anos após a revolução de Abril, é tempo de nos libertarmos de "clichés" ocos de sentido. O sistema educativo não pode fazer dos portugueses gente toda igual. Todos nascem diferentes e todos progredirão ao longo da vida de forma diferente. O que o sistema deve ter como objectivo norteador é a preocupação teórica, ainda que irrealizável praticamente, de dar a cada cidadão tudo o que ele necessite para pôr em acto todas as potencialidades com que nasce.

Ao "slogan" "igualdade de oportunidades", devemos ter a coragem de opor o da "desigualdade de oportunidades", desígnio utópico (mas é o sonho que comanda a vida) do ensino individualizado.

6. Esta relutância de muitos em lidar com processos quantificadores, para além de conter o receio da sua própria exposição a confrontos que os comparem com o desempenho de outros, contém ainda a subliminar ideia de que os "social e economicamente desfavorecidos" ficarão sempre na cauda de qualquer série. O que não é verdade. Ou essoutra, ainda mais perniciosa, de os julgar intelectualmente incapazes de responder a solicitações mais exigentes. O que também não é verdade.

7. Os críticos dos "rankings" das escolas tomam a parte pelo todo. Nos que vi publicados, com lógicas e critérios diferentes, tratou-se de distribuir as escolas numa série, em função de critérios que não estavam ocultos. Fazê-lo tomando por base, por exemplo, os resultados obtidos pelos alunos nos exames nacionais de uma determinada disciplina não é dizer que a primeira escola é melhor que as outras, nem os respectivos autores o disseram.

Vale muito ou pouco esse exercício? Que valor terão outros possíveis, operados com critérios diferentes? Melhor que propor ditatorialmente a proibição dessas classificações é demonstrar as suas eventuais fragilidades e opor-lhes outras mais relevantes. É desse contributo que todos carecemos.

Professor do ensino superior

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