Diário de Notícias - 3 Nov 04 Tentar perceber
"Microcrédito "
Francisco
sarsfield cabralÀ primeira
vista, emprestar dinheiro a pessoas pobres para criarem uma empresa
ou para se auto-empregarem parece uma fantasia. A experiência
mostra, porém, que é mais arriscado emprestar a ricos: eles são
menos cumpridores nos pagamentos e os calotes são maiores. Ora,
contra todas as aparências, entre desempregados de baixa
qualificação, mulheres não activas, reformados com fracos
rendimentos, gente que trabalha na economia paralela, etc., há quem
possua competências práticas ou capacidades produtivas para criar o
seu próprio posto de trabalho ou uma microempresa - se tiver acesso
a crédito bancário. A iniciativa económica não é monopólio dos
ricos.
Num dos países mais pobres do mundo, o Bangladesh, M. Yunus teve a
coragem de apostar na capacidade dos pobres para, com um pequeno
empréstimo, se lançarem numa actividade por conta própria que lhes
permitisse saírem da miséria. Os resultados foram espectaculares: o
Grameen Bank, de Yunus, é agora uma grande instituição, que tem
lucros emprestando a gente pobríssima. O êxito da iniciativa
estendeu-a a outros países. Hoje há no mundo 12 mil instituições que
concedem microcrédito a 55 milhões de famílias, metade das quais
viviam com menos de um dólar por dia. Em Portugal, a Associação
Nacional de Direito ao Crédito canalizou desde 1999 cerca de 350
empréstimos, no valor global de 1,5 milhões de euros, levando à
criação de 420 empregos. A aparente fantasia tornou-se realidade.
Nos próximos dias 5 e 6, sexta e sábado, esta «experiência com
futuro» será debatida numa conferência na Gulbenkian. Não é uma
bizarria nem uma excentricidade. Pelo contrário: numa época em que
perderam credibilidade os grandes sistemas para mudar o mundo, são
iniciativas modestas e pragmáticas deste tipo que podem, de facto,
melhorar a vida de muita gente.
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