Público - 21 Nov 03
Católicos Muito Críticos com Governo e Empresários
Por ANTÓNIO MARUJO
A nova Lei de Bases da Segurança Social e as regras do Rendimento Mínimo
Garantido aprovadas recentemente reflectem uma orientação "assistencialista";
a situação de gestores com "remunerações verdadeiramente escandalosas" é
"inaceitável", e o salário mínimo não tem mantido "uma relação adequada
com o custo de uma vida decente". Estas são ideias principais de um dos
documentos preparatórios do fórum da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP),
que logo à noite se inicia no Centro de Congressos de Lisboa (antiga FIL).
O fórum, dedicado ao tema genérico "Globalizar a paz, construir um mundo
justo", é promovido por aquele organismo católico com a ideia de reunir
movimentos, organizações e cidadãos, crentes ou não, para os quais a paz
constitua "uma inquietação de primeira ordem". Propondo-se debater temas
como o trabalho e a economia, os direitos humanos, a Europa, os media ou a
escola, o papel das religiões ou dos jovens, a iniciativa abre hoje com um
espectáculo. "Desenhar uma cultura de paz" é realizado pelo grupo
Identidades, que congrega artistas portugueses, brasileiros,
cabo-verdianos e moçambicanos.
Do Brasil, virá o principal interveniente do fórum: Chico Whitaker,
vice-presidente da CNJP daquele país, tem estado ligado ao Movimento dos
Sem-Terra e às movimentações da Igreja Católica brasileira em favor da
reforma fundiária. Whitaker, cuja intervenção decorre amanhã a partir das
17h00, ouvirá depois o comentário de João Salgueiro, presidente da
Associação Portuguesa de Bancos.
Num documento preparatório da sessão temática sobre trabalho, economia e
sociedade, traça-se, em 31 páginas, um diagnóstico da actual situação
portuguesa, que põe em causa o modelo de desenvolvimento económico, mas
também "os nossos próprios padrões de consumo". Entre verificações da
realidade e críticas a determinadas orientações políticas ou empresariais,
o texto faz também muitas perguntas sobre o modo como os problemas devem
ser enfrentados ou o envolvimento pessoal: "Não teremos que prestar maior
atenção e combater o fenómeno do desperdício, tão irresponsavelmente
arreigado na nossa sociedade e nos nossos quotidianos?".
Os autores do texto - um grupo liderado pela economista Manuela Silva e
que integrava, entre outros, os sindicalistas Ulisses Garrido e Deolinda
Machado - apontam outros problemas: o risco do desemprego estrutural, a
não aplicação do Plano Nacional de Emprego (PNE), a precariedade do
emprego - sobretudo de mulheres e jovens -, o "trabalho lixo" (deixado
para pessoas deficientes ou imigrantes, por exemplo), a "preocupante" taxa
de sinistralidade no trabalho (234 mil acidentes, dos quais 368 foram
mortais, no ano 2000), e a persistência do trabalho infantil.
No documento, sugerem-se caminhos de saída: o consumo ético, que pressione
as empresas a adoptar códigos de conduta (como aconteceu com a Nike, cujo
caso é recordado), a ética empresarial, a "tarefa prioritária e urgente
que vise a formação dos gestores portugueses", a concretização do PNE, a
redução do horário de trabalho "sem perda de retribuição", a valorização
do trabalho parental e comunitário. |