Público - 21 Nov 03

Brandos Costumes
Por NUNO PACHECO

Há dias, fomos confrontados com uma notícia inquietante: as polícias portuguesas são das que mais matam na Europa. A "denúncia", se assim pode chamar-se, não partiu de nenhuma organização de direitos cívicos mas da Inspecção-Geral da Administração Interna, que organizou uma conferência sobre o assunto. Lá estiveram especialistas internacionais a demonstrar que, embora outros países tenham mais polícias armados e mais criminalidade violenta, têm menos mortos a atribuir às respectivas polícias: 6 em Portugal em 2003 contra 4 em França (média anual entre 1995 e 2000), 1 em Espanha, 1 na Grã-Bretanha e 1 na Irlanda do Norte (não em 2003, mas desde o ano 2000!). A culpa, veio rapidamente esclarecer o inspector-geral da Administração Interna, Maximiano Rodrigues, não é dos agentes mas do seu enquadramento técnico e táctico. Estarão mais vezes sozinhos, desamparados, imunes à pressão de uma ameaça e então disparam. A explicação devia sossegar-nos, mas não sossega. Porque isto quer dizer que, sem o devido enquadramento, um recrudescer de criminalidade violenta pode levar a um exponencial aumento de reacções policiais incontroladas. Com mais balas gastas e menos segurança.

Ainda o eco desta notícia não tinha desaparecido, soubemos do espalhafato juvenil nos balneários onde a selecção de sub-21 festejou a sua vitória. Embora devêssemos estar satisfeitos pelo facto de tais jogadores não serem polícias e não estarem armados (a equivalência em balas de tamanho regozijo seria um autêntico massacre), não deixa de ser lamentável a imagem que a equipa deu de si mesma e do país que representa. Uns "selvagens", logo clamaram os franceses, que provavelmente teriam feito o mesmo ou equivalente noutras paragens se tal se proporcionasse. Mas como os erros dos outros não pagam nem desculpam os nossos, tivemos um coro de lamentos, do secretário de Estado da Juventude e Desporto à Federação Portuguesa de Futebol. Para alguns dos nossos rapazes, porém, "não se passou nada", como disse Ricardo Costa para espanto de todos. Ou passou-se alguma coisa, mas nem por isso muito grave, só "emoções" da juventude. "Exaltámo-nos um pouco e pedimos desculpa", disse Tiago, decerto mais realista.

Isto talvez explique os nossos alegados brandos costumes: matamos, partimos e depois pedimos desculpa. Tudo mal-entendidos. Como a criança que escaqueira ferozmente os vidros da vizinhança e depois se vai aninhar, sorrateira, no colo da mãe. É bom ter quem se desculpe por nós, quem cubra os estragos, quem iluda as balas que nunca deviam ter saído de pistolas que nunca deviam ter sido apontadas. Na verdade, ninguém tem culpa porque ninguém quer ser responsável o suficiente para tê-la. Assim, numa alegre e juvenil irresponsabilidade, fingimos pertencer à Europa e vamos confiando no seu colo protector para nos acalmar os excessos "juvenis". Mas não era já altura de crescermos?

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