Público - 18 Mar 09

 

As pensões vão mesmo baixar e de que maneira!...
Miguel Frasquilho e Pedro Pereira Gonçalves

 

Os portugueses que têm 40 a 50 anos vão ter uma reforma correspondente a pouco mais de metade do último salário

 

Um relatório da OCDE recentemente publicado mostra que os portugueses que têm, hoje, entre 40 e 50 anos, e estão no activo ficarão com uma reforma média correspondente a pouco mais de metade (mais precisamente, 54,1%) do último salário auferido. Este estudo revela ainda que Portugal é, de entre os 30 países que pertencem à OCDE, o que tem a sexta mais baixa taxa de substituição, bem abaixo quer da taxa recomendada por esta instituição (70%), quer da média dos países que a integram.

 

Confrontado com estes dados, logo o Governo, pela voz do ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, veio assegurar que o sistema de pensões português é uma referência a nível europeu, garantindo uma taxa de cobertura efectiva entre 70% e 80% do último salário. E isto porque os números avançados no relatório da OCDE são brutos (ilíquidos) e, de acordo com o ministro, a análise deve ser realizada em valores líquidos.

 

Ora, esta reacção do Governo tem muito que se lhe diga...

 

Desde logo porque as análises quanto às pensões costumam ser efectuadas tal e qual a OCDE fez, isto é, em termos brutos. É que, se considerarmos os valores líquidos, o que se está a fazer é analisar não só as pensões mas também os sistemas fiscais - e, manifestamente, não é isso que se pretende!...

 

Mas, para além disso, deve notar-se que toda a reacção do Governo foi no sentido de elogiar a "sua" reforma (que foi apresentada em 2006 e entrou em vigor em 2007). Não queremos questionar, aqui, a necessidade - que existia - da realização de uma reforma da Segurança Social que assegurasse, pelo menos durante mais algumas décadas, a sustentabilidade do pagamento de pensões. Não nos custa reconhecer que tal é garantido pela reforma realizada por este Governo (concorde-se ou não com o caminho seguido - mas esse é outro assunto, que não cabe no contexto deste artigo). Sucede que (e este é o ponto que gostaríamos de enfatizar) a rotura do sistema previdencial foi adiada em pouco mais de três décadas (de cerca de 2015 - a data anteriormente estimada - para próximo de 2050), porque, pura e simplesmente, o valor das pensões baixou - e não foi pouco.

 

Um simples exemplo numérico ajuda a esclarecer a situação. Consideremos, para tanto, um trabalhador que nasceu em Janeiro de 1980; que começou a descontar para a Segurança Social em Janeiro de 2000 com 20 anos, com base num salário mensal inicial ilíquido de 1000 euros; e que tem uma carreira contributiva de 40 anos, com uma progressão salarial média (com promoções) de 4% ao ano (resultantes de uma inflação média anual para este período de 2%, e de um aumento salarial anual de 2% em termos reais). Nestas condições, este trabalhador terá, à idade da reforma, um salário de aproximadamente 4616 euros.

 

Ora, com o método de cálculo da pensão de aposentação que vigorava até 2006 (em que o relevante era a média salarial dos melhores dez salários anuais dos últimos 15 anos; e a taxa de formação da pensão era de 2% ao ano, limitada a 40 anos - ou seja, 80% do salário de referência), a pensão final ilíquida ascenderia a 3426 euros, isto é, 74,2% do último salário.

 

Já pelo "novo método de cálculo", entrando em linha de conta com

 

1) a média salarial de toda a carreira contributiva;

 

2) uma taxa de formação de pensão de 2% a 2,3% por cada ano de contribuições (isto é, uma soma parcelar da remuneração de referência por cada ano - 40 anos de carreira contributiva com uma taxa de formação de 2% corresponde a 80%); e

 

3) um factor de sustentabilidade dado pelo rácio entre a esperança média de vida (EMV) aos 65 anos em 2006 (que era de 18,47 anos) e a EMV aos 65 anos no ano anterior ao da reforma - o que, de acordo com as estimativas do Banco de Portugal irá reduzir as pensões em 4,31% em 2010 (pois a EMV aos 65 anos estimada para 2010 é de 19,3 anos) e em 15,67% em 2030 (a EMV aos 65 anos estimada para 2030 é de 21,9);

 

a pensão corresponderá a 2478 euros, ou 53,6% do último salário, ou seja, menos 20,6 pontos percentuais (pp) do que anteriormente!... E se, em vez de uma progressão salarial mais moderada (como assumimos), tivéssemos considerado uma evolução salarial mais acentuada, a diferença da pensão do método antigo para o "novo" seria ainda maior (com a pensão a poder situar-se bem abaixo de 50% do último salário!...).

 

Ora, se as pensões descem (e bem) em termos brutos, o mesmo acontece também em termos líquidos - em que os 70% a 80% que representam o intervalo em que se situará o valor da pensão líquida face ao último salário (como foi referido pelo ministro) eram, antes desta reforma, mais de 90% (sendo que muitas pensões ultrapassavam mesmo o valor líquido do último salário porque, com a saída da vida activa, deixam de ser pagas as contribuições para a Segurança Social e as quotizações sindicais).

 

Em nossa opinião, era isto que o Governo devia ter explicado à população - mas não nos recordamos que tal tenha acontecido... E, assim sendo, os portugueses, com o argumentário falacioso do executivo, poderão ser levados a pensar que nada mudou, isto é, que a sua pensão não será afectada em relação à situação anterior!... Mas o facto é que é - e, como facilmente se percebe, quanto mais novo é um indivíduo, maior é a diferença na pensão entre o método antigo e o "novo". Por exemplo, um cidadão que tenha hoje 55 anos verá a sua reforma descer em menos de 10 pp face ao último salário; mas um cidadão de 25 anos, já terá uma redução na sua reforma que poderá chegar a bem mais de 20 pp!...

 

Finalmente, julgamos ainda importante referir que, se o Governo considera que é em termos líquidos que as pensões devem ser comparadas, é estranho que o algoritmo disponibilizado no sítio do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social na Internet apenas permita efectuar o cálculo em termos brutos... provando, assim, que o argumento da pensão líquida apenas foi usado para tentar contrariar os números da OCDE, qual desculpa de mau pagador.

 

Ao não falar verdade à população e explicar-lhe o que está em jogo, o Governo socialista apenas ilude os portugueses. E não os prepara convenientemente para o que vão encontrar quando se reformarem - defraudando, pois, totalmente, as suas expectativas. Precisamente o contrário do que seria expectável da parte de quem comanda os destinos de um país. Economistas