As pensões vão mesmo baixar e de que maneira!... Miguel Frasquilho e Pedro Pereira Gonçalves
Os portugueses que têm 40 a 50 anos vão ter uma
reforma correspondente a pouco mais de metade do
último salário
Um relatório da OCDE recentemente publicado mostra
que os portugueses que têm, hoje, entre 40 e 50
anos, e estão no activo ficarão com uma reforma
média correspondente a pouco mais de metade (mais
precisamente, 54,1%) do último salário auferido.
Este estudo revela ainda que Portugal é, de entre os
30 países que pertencem à OCDE, o que tem a sexta
mais baixa taxa de substituição, bem abaixo quer da
taxa recomendada por esta instituição (70%), quer da
média dos países que a integram.
Confrontado com estes dados, logo o Governo, pela
voz do ministro do Trabalho e da Solidariedade
Social, veio assegurar que o sistema de pensões
português é uma referência a nível europeu,
garantindo uma taxa de cobertura efectiva entre 70%
e 80% do último salário. E isto porque os números
avançados no relatório da OCDE são brutos
(ilíquidos) e, de acordo com o ministro, a análise
deve ser realizada em valores líquidos.
Ora, esta reacção do Governo tem muito que se lhe
diga...
Desde logo porque as análises quanto às pensões
costumam ser efectuadas tal e qual a OCDE fez, isto
é, em termos brutos. É que, se considerarmos os
valores líquidos, o que se está a fazer é analisar
não só as pensões mas também os sistemas fiscais -
e, manifestamente, não é isso que se pretende!...
Mas, para além disso, deve notar-se que toda a
reacção do Governo foi no sentido de elogiar a "sua"
reforma (que foi apresentada em 2006 e entrou em
vigor em 2007). Não queremos questionar, aqui, a
necessidade - que existia - da realização de uma
reforma da Segurança Social que assegurasse, pelo
menos durante mais algumas décadas, a
sustentabilidade do pagamento de pensões. Não nos
custa reconhecer que tal é garantido pela reforma
realizada por este Governo (concorde-se ou não com o
caminho seguido - mas esse é outro assunto, que não
cabe no contexto deste artigo). Sucede que (e este é
o ponto que gostaríamos de enfatizar) a rotura do
sistema previdencial foi adiada em pouco mais de
três décadas (de cerca de 2015 - a data
anteriormente estimada - para próximo de 2050),
porque, pura e simplesmente, o valor das pensões
baixou - e não foi pouco.
Um simples exemplo numérico ajuda a esclarecer a
situação. Consideremos, para tanto, um trabalhador
que nasceu em Janeiro de 1980; que começou a
descontar para a Segurança Social em Janeiro de 2000
com 20 anos, com base num salário mensal inicial
ilíquido de 1000 euros; e que tem uma carreira
contributiva de 40 anos, com uma progressão salarial
média (com promoções) de 4% ao ano (resultantes de
uma inflação média anual para este período de 2%, e
de um aumento salarial anual de 2% em termos reais).
Nestas condições, este trabalhador terá, à idade da
reforma, um salário de aproximadamente 4616 euros.
Ora, com o método de cálculo da pensão de
aposentação que vigorava até 2006 (em que o
relevante era a média salarial dos melhores dez
salários anuais dos últimos 15 anos; e a taxa de
formação da pensão era de 2% ao ano, limitada a 40
anos - ou seja, 80% do salário de referência), a
pensão final ilíquida ascenderia a 3426 euros, isto
é, 74,2% do último salário.
Já pelo "novo método de cálculo", entrando em linha
de conta com
1) a média salarial de toda a carreira contributiva;
2) uma taxa de formação de pensão de 2% a 2,3% por
cada ano de contribuições (isto é, uma soma parcelar
da remuneração de referência por cada ano - 40 anos
de carreira contributiva com uma taxa de formação de
2% corresponde a 80%); e
3) um factor de sustentabilidade dado pelo rácio
entre a esperança média de vida (EMV) aos 65 anos em
2006 (que era de 18,47 anos) e a EMV aos 65 anos no
ano anterior ao da reforma - o que, de acordo com as
estimativas do Banco de Portugal irá reduzir as
pensões em 4,31% em 2010 (pois a EMV aos 65 anos
estimada para 2010 é de 19,3 anos) e em 15,67% em
2030 (a EMV aos 65 anos estimada para 2030 é de
21,9);
a pensão corresponderá a 2478 euros, ou 53,6% do
último salário, ou seja, menos 20,6 pontos
percentuais (pp) do que anteriormente!... E se, em
vez de uma progressão salarial mais moderada (como
assumimos), tivéssemos considerado uma evolução
salarial mais acentuada, a diferença da pensão do
método antigo para o "novo" seria ainda maior (com a
pensão a poder situar-se bem abaixo de 50% do último
salário!...).
Ora, se as pensões descem (e bem) em termos brutos,
o mesmo acontece também em termos líquidos - em que
os 70% a 80% que representam o intervalo em que se
situará o valor da pensão líquida face ao último
salário (como foi referido pelo ministro) eram,
antes desta reforma, mais de 90% (sendo que muitas
pensões ultrapassavam mesmo o valor líquido do
último salário porque, com a saída da vida activa,
deixam de ser pagas as contribuições para a
Segurança Social e as quotizações sindicais).
Em nossa opinião, era isto que o Governo devia ter
explicado à população - mas não nos recordamos que
tal tenha acontecido... E, assim sendo, os
portugueses, com o argumentário falacioso do
executivo, poderão ser levados a pensar que nada
mudou, isto é, que a sua pensão não será afectada em
relação à situação anterior!... Mas o facto é que é
- e, como facilmente se percebe, quanto mais novo é
um indivíduo, maior é a diferença na pensão entre o
método antigo e o "novo". Por exemplo, um cidadão
que tenha hoje 55 anos verá a sua reforma descer em
menos de 10 pp face ao último salário; mas um
cidadão de 25 anos, já terá uma redução na sua
reforma que poderá chegar a bem mais de 20 pp!...
Finalmente, julgamos ainda importante referir que,
se o Governo considera que é em termos líquidos que
as pensões devem ser comparadas, é estranho que o
algoritmo disponibilizado no sítio do Ministério do
Trabalho e da Solidariedade Social na Internet
apenas permita efectuar o cálculo em termos
brutos... provando, assim, que o argumento da pensão
líquida apenas foi usado para tentar contrariar os
números da OCDE, qual desculpa de mau pagador.
Ao não falar verdade à população e explicar-lhe o
que está em jogo, o Governo socialista apenas ilude
os portugueses. E não os prepara convenientemente
para o que vão encontrar quando se reformarem -
defraudando, pois, totalmente, as suas expectativas.
Precisamente o contrário do que seria expectável da
parte de quem comanda os destinos de um país.
Economistas