Merece toda a atenção a proposta de escola a tempo
inteiro (das 7h30 às 19h30?), formulada pela
Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
Percebe-se o ponto de vista dos proponentes: como
ambos os progenitores trabalham o dia inteiro, será
melhor deixar as crianças na escola do que sozinhas
em casa ou sem controlo na rua, porque a escola
ainda é um território com relativa segurança.
Compreende-se também a dificuldade de muitos pais em
assegurarem um transporte dos filhos a horas
convenientes, sobretudo nas zonas urbanas: com o
trânsito caótico e o patrão a pressionar para que
não saiam cedo, será melhor trabalhar um pouco mais
e ir buscar os filhos mais tarde.
Ao contrário do que parecia em declarações minhas
mal transcritas no PÚBLICO de 7 de Fevereiro, eu não
creio à partida que será muito mau para os alunos
ficar tanto tempo na escola. Quando citei o filme
Paranoid Park, de Gus von Sant, pretendia apenas
chamar a atenção para tantas crianças que, na escola
e em casa, não conseguem consolidar laços afectivos
profundos com adultos, por falta de disponibilidade
destes. É que não consigo conceber um
desenvolvimento da personalidade sem um conjunto de
identificações com figuras de referência, nos
diversos territórios onde os mais novos se movem.
O meu argumento é outro: não estaremos a remediar à
pressa um mal-estar civilizacional, pedindo aos
professores (mais uma vez...) que substituam a
família? Se os pais têm maus horários, não deveriam
reivindicar melhores condições de trabalho, que
passassem, por exemplo, pelo encurtamento da hora do
almoço, de modo a poderem chegar mais cedo, a tempo
de estar com os filhos? Não deveria ser esse um
projecto de luta das associações de pais?
Importa também reflectir sobre as funções da escola.
Temos na cabeça um modelo escolar muito virado para
a transmissão concreta de conhecimentos, mas a
escola actual é uma segunda casa e os professores,
na sua grande maioria, não fazem só a instrução dos
alunos, são agentes decisivos para o seu bem-estar:
perante a indisponibilidade de muitos pais e face a
famílias sem coesão onde não é rara a doença mental,
são os promotores (tantas vezes únicos!) das regras
de relacionamento interpessoal e dos valores éticos
fundamentais para a sobrevivência dos mais novos.
Perante o caos ou o vazio de muitas casas, os
docentes, tantas vezes sem condições e submersos
pela burocracia ministerial, acabam por conseguir
guiar os estudantes na compreensão do mundo. A
escola já não é, portanto, apenas um local onde se
dá instrução, é um território crucial para a
socialização e educação (no sentido amplo) dos
nossos jovens. Daqui decorre que, como já se pediu
muito à escola e aos professores, não se pode pedir
mais: é tempo de reflectirmos sobre o que de facto
lá se passa, em vez de ampliarmos as funções dos
estabelecimentos de ensino, numa direcção
desconhecida. Por isso entendo que a proposta de
alargar o tempo passado na escola não está no
caminho certo, porque arriscamos transformá-la num
armazém de crianças, com os pais a pensar cada vez
mais na sua vida profissional.
A nível da família, constato muitas vezes uma
diminuição do prazer dos adultos no convívio com as
crianças: vejo pais exaustos, desejosos de que os
filhos se deitem depressa, ou pelo menos com
esperança de que as diversas amas electrónicas os
mantenham em sossego durante muito tempo. Também
aqui se impõe uma reflexão sobre o significado
actual da vida em família: para mim, ensinado pela
Psicologia e Psiquiatria de que é fundamental a
vinculação de uma criança a um adulto seguro e
disponível, não faz sentido aceitar que esse
desígnio possa alguma vez ser bem substituído por
uma instituição como a escola, por melhor que ela
seja. Gostaria, pois, que os pais se unissem para
reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do
seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias
para a organização de uma rede eficiente de
transportes escolares, ou que sensibilizassem o
mundo empresarial para horários com a necessária
rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação
dos filhos e com a vida em família.
Aos professores, depois de um ano de grande desgaste
emocional, conviria que não aceitassem mais esta "proletarização"
do seu desempenho: é que passar filmes para os
meninos depois de tantas aulas dadas - como foi
sugerido pelos autores da proposta que agora comento
- não parece muito gratificante e contribuirá, mais
uma vez, para a sua sobrecarga e para a
desresponsabilização dos pais.