Entrevista Ferraz da Costa: "Vamos ser apanhados por asneira
própria e uma conjuntura difícil" Vítor Costa
O empresário
Pedro Ferraz da Costa, que lidera o Fórum para a
Competitividade, defende que se adiem os grandes
projectos de obras públicas, como o TGV e o novo
aeroporto. E que o combate ao endividamento externo
deveria ser a prioridade do Governo.
A situação
económica nacional resulta mais da crise
internacional ou das nossas próprias debilidades?
Escrevi ao longo
destes anos que, em termos da condução da política
conjuntural, estávamos a fabricar um grande problema
a prazo. Problemas que vêm de 1996 e que resultam de
termos feito duas coisas extraordinariamente
contraditórias: termos aceite participar no euro e
no movimento de abertura que a Europa fez ao
exterior, que assentou em primeiro lugar na abertura
a Leste; e ao mesmo tempo termos orientado os
investimentos quase todos para sectores de bens não
transaccionáveis.
E porque as
considera contraditórias?
Porque com a
participação no euro e no movimento de globalização,
o progresso dos salários e a sustentação do emprego
iriam depender fundamentalmente da competitividade
externa da economia.
E não foi
nisso que nos centrámos.
Centrámo-nos
numa coisa que tem sido denominada de política de
betão, mas que suponho que foi mais do que isso.
Houve um alinhamento, e uso a expressão alinhamento
com todos os sentidos que ela possa ter, entre
empresas que vivem fundamentalmente para o mercado
interno, num ambiente de fraca concorrência, e os
dirigentes dos maiores partidos políticos. E isso
fez com que, praticamente desde 1995, os grandes
problemas da competitividade externa das Pequenas e
Médias Empresas (PME) não fossem tratados. E os
sinais já cá estavam há muito tempo, com a redução
prevista e efectiva de postos de trabalho nos nossos
sectores tradicionais, com arranque muito lento de
novas iniciativas em áreas tecnologicamente mais
evoluídas e na maior parte dos casos à custa de
grande subsidiação, criando-se uma espécie de ilhas
para grandes investimentos estrangeiros.
Ainda hoje é
possível ouvir o Governo, este como outro de outro
partido, "encher a boca" com os 1200 milhões de
euros de exportações da Qimonda, sem nunca dizer que
o valor acrescentado é um sexto disso. Há uma
disponibilidade para apoiar grandes projectos que
ficam completamente dependentes dessa subsidiação e
o Governo acaba por ficar refém desses projectos sob
pena de ficar responsável pelos despedimentos. Tudo
isso distrai a atenção de um trabalho mais profundo,
com melhores resultados em termos de emprego que
seria o de criar condições mais fáceis para as
nossas PME.
Quais são as
consequências?
A situação é
muito preocupante porque se as medidas tivessem sido
tomadas há mais tempo, tínhamos uma posição de
contas externas menos desequilibrada. Neste momento,
aumentar e ganhar quotas de mercado nas exportações
é extraordinariamente difícil com os mercados
destino das nossas exportações em recessão. Vamos
ser apanhados por uma conjugação de muita asneira
própria com uma conjuntura extraordinariamente
difícil.
A conjuntura
externa veio pôr a descoberto as nossas
fragilidades?
Não. A
conjuntura externa acabou por as tapar. Permitiu ao
Governo falar sobre a crise externa e não sobre os
problemas internos. A conjuntura externa veio tornar
mais grave a nossa maior debilidade: o desequilíbrio
externo. Houve sempre uma análise superficial dos
nossos problemas.
Vivemos muito
concentrados na redução do défice orçamental?
Não me parece.
Aliás, não vivemos suficientemente concentrados
porque, entre metade a dois terços da redução do
défice, é explicado por aumento de impostos.
Houve uma descida do IVA em 2008 e o
Orçamento do Estado para 2009 incorpora algum
desagravamento fiscal.
O
primeiro-ministro confunde reduções de impostos que
ocorreram em 2008, com o que está previsto para
2009, mas que só terá efeitos nas contas e nos
pagamentos das empresas em 2010. Basta perguntar
porque é que as empresas têm piores resultados e
pagam mais impostos.
Porquê?
Porque com base
em resultados de um ano bom vão pagar por conta no
ano seguinte, até que possam demonstrar que ganharam
menos. Estão a antecipar uma expectativa de bons
impostos quando já não a têm. Esta é uma situação
inacreditável que não deveria existir. As empresas
estão a passar uma fase muito difícil e o Estado
está a cobrar-lhe impostos como se elas tivessem
resultados.
Qual a melhor
estratégia para alterar esta situação para o futuro.
Para trás já não a podemos mudar...
Mas temos alguma
vantagem em aprender com os erros. Erros todos
fazem. O que é grave é não aprender com eles.
E estamos a
aprender? O investimento público, como medida com
efeitos mais imediatos na economia não é mais
vantajoso do que políticas de redução da carga
fiscal para induzir maior competitividade?
O Estado
português foi o primeiro na zona euro a decidir
apoiar empresas concretas. Tomando uma atitude de
voluntarismo de política industrial que outros
países europeus ainda não tinham tomado. E, por
termos uma condição financeira mais débil, não
tínhamos condições para sermos pioneiros num caminho
que não é, aliás, o melhor. Na maior parte dos casos
onde tenderemos a apoiar, não temos, nem por razão
interna, nem por peso no mercado internacional,
qualquer hipótese de o antecipar. Se há país para
quem é dificilmente compreensível ter uma política
de apoio muito marcada à indústria automóvel somos
nós. Isso é compreensível na Alemanha onde 15 por
cento do PIB é indústria automóvel.
Mas o que me faz
mais impressão é o que está previsto na revisão do
Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) ao
mostrar-nos um Governo atrasado na interpretação do
que está acontecer.
Em que
sentido?
Temos estado
numa posição em que os poderes públicos recusaram a
evidência até ao último momento. Isso foi muito
patente na proposta de Orçamento do Estado para 2009
e agora no PEC. Quando se aguardava que surgisse uma
visão mais realista, o Governo está a partir do
princípio que vai sair da situação difícil já em
2010 quando a análise de todas as crises financeiras
anteriores aponta para períodos de recuperação entre
três a seis anos.
E este é o
aspecto mais preocupante. Demonstra que o Governo
vai tentar esconder as debilidades internas em ano
eleitoral, o que significa que na campanha não se
vai falar delas e não se vão resolver. Não tomar
agora consciência da situação e propor medidas para
as resolver, significa que vamos esperar mais quatro
anos para a resolução. Por isso, comprometer hoje
todos os fundos possíveis na esperança de que em
2010 já estamos numa situação normal, é muito
perigoso se em 2010 estivermos piores do que agora.
Perdemos
tempo...
E já fizemos
mais endividamento.
Mas o que
deveria ser feito?
Perante um país
com um desequilíbrio externo do da nossa dimensão,
tínhamos mais vantagem em seguir políticas que
combatessem esse endividamento e, principalmente,
rezar para que os mercados internos dos nossos
exportadores crescessem. O que me preocupa é qual é
a estrutura e quais as regras com que devíamos estar
preparados para tirar partido de uma futura
recuperação. Não conseguiremos resolver os nossos
desequilíbrios sem uma política de crescimento
completamente diferente da que tivemos.
O que é
fundamental para ter confiança perante os
investidores internacionais que têm de financiar o
desequilíbrio anual da economia portuguesa é eles
pensarem se vamos para pior ou melhor. E temos
estado a piorar. O desequilíbrio externo tem-se
vindo a degradar, não conseguimos atrair
investimento externo a não ser com condições de
super subsidiação e, mesmo assim, tem sido difícil e
temos assistido à saída de imensas empresas.
Agora, se o
Partido Socialista, por motivos eleitorais tiver a
tentação de agradar a tudo o que esteja à sua
esquerda, estamos a criar condições cada vez menos
atraentes para fazer novo investimento. E perante
isso temos dois cenários: ou vamos caindo lentamente
ao longo dos anos, e é isso que tem estado a
acontecer; ou temos uma situação de ruptura mais
grave e nessa altura fazemos as alterações todas de
repente. Foi o que aconteceu no passado. Chegámos à
beira do primeiro acordo com o FMI praticamente em
ruptura cambial e o segundo deu-se pelas mesmas
razões.
E depois
temos o eterno problema da educação...
É o mais
complicado de todos, que resulta do facto de a
sociedade portuguesa fornecer às empresas uma
população activa muito mal preparada. E isso é um
obstáculo de base.
E demora
muito a mudar...
Demora dezenas
de anos. Lembro-me de ter insistido com o
primeiro-ministro da altura, em 1985, o professor
Cavaco Silva, de que precisávamos de ter um plano de
formação diferente do do plano do Fundo Social
Europeu, porque tínhamos problemas diferentes dos
outros países. Se nos outros países havia a
necessidade de reciclar conhecimentos de pessoas que
saíam de sectores que desapareciam para entrar
noutros, mas tinham boa formação de base, nós
tínhamos fundamentalmente o problema de 86 por cento
da nossa população activa ter menos de oito anos de
escolaridade. Mas como o figurino europeu era o que
estava feito e o que permitia aceder logo aos fundos
e como o objectivo era que entrasse dinheiro para
resolver o buraco da balança de transacções
correntes, entrou-se pelos mecanismos que se sabe.
Fez-se o que não era necessário, andou a ensinar-se
coisas que não tinham interesse nenhum e o trabalho
de base não foi feito.
O programa
Novas Oportunidades não é um caminho?
É um programa
confrangedor. Posso dizer-lhe o que acontece nas
minhas empresas. Numa, da área industrial, ajudamos
as pessoas, fornecemos computadores e apoiamos o
programa. Há uma taxa de aprovação de 30 por cento.
São pessoas à volta de 60 anos e o que aprendem
vai-lhes permitir usar a internet e enviar e-mails
quando estiverem reformados. Numa outra empresa,
mais nova, tentei saber porque não conseguimos
montar uma aula inteira na própria empresa, porque
isso dispensaria os trabalhadores de terem que ir a
uma escola. Foi-me dito que de há um tempo a esta
parte arranjaram todos um segundo emprego. Vão
distribuir pizzas ou fazer outra coisa qualquer
porque as pessoas não conseguiam, perante o aumento
dos encargos, fazer face aos seus orçamentos
familiares.
Portanto, isto
está a servir, nalguns casos, para arranjar uma
reforma culturalmente mais elevada, o que é
positivo, mas não é suficiente para aqueles que
tiveram um mau sistema de ensino ou por qualquer
razão têm muito pouca formação. E isso é um
obstáculo brutal.
Portugal estaria muito diferente hoje
face ao que passámos quando precisámos da ajuda do
FMI se não tivéssemos a protecção de uma moeda forte
como o euro?
Os problemas já
se tinham resolvido. Os portugueses colectivamente
têm uma tradição de evitar até ao último momento e
depois mudam com uma rapidez surpreendente. A
resposta aos acordos com o FMI foi muito rápida,
éramos um case study, mesmo sem que todas as medidas
fossem aplicadas completamente.
Defende que
nos deveríamos preparar para que, quando os nossos
clientes começassem a recuperar, estivéssemos em
melhores condições para sermos competitivos. Mas com
que políticas?
Não é ajudando
as empresas que fizeram maiores asneiras até agora.
Porque se o critério for sustentar emprego a
qualquer custo e ajudar as empresas todas, as que
vão pedir ajuda são as que estão em pior situação e,
um segundo grupo, que é o dos espertalhões.
Dever-se-iam
estabelecer apoios de carácter geral que libertassem
de constrangimentos e da carga fiscal excessiva as
empresas que estão a funcionar e bem e que deviam
ter condições para comprar as que estão a funcionar
mal, porque as empresas que estão em melhor situação
são as que se prepararam melhor para as alterações
da conjuntura.
Não devíamos
misturar o que é a política social com a política
económica. O Governo está a tentar duas coisas que
me parecem erradas: apoia os que estão em pior
situação e dá sinais públicos de que está a dar
apoio a empresas que, se calhar, vão fechar. A
Qimonda é exemplar em termos negativos, porque já
toda a gente percebeu que os 100 milhões que o
Estado estava disposto a avalizar tinham como
objectivo manter a empresa aberta até às eleições.
A população
compreenderia isso quando o desemprego aumenta?
Se é verdade que
a maioria da população, dos eleitores, concordarão
que numa conjuntura destas seja dada prioridade às
políticas sociais, isso não deveria ser feito à
custa de obrigar as empresas a sustentar emprego,
caso contrário, no fim da crise, essas empresas
ainda vão estar em piores condições.
Há um
aproveitamento da crise para fazer despedimentos por
parte das empresas, como acusa a CGTP?
Nunca percebo
essas acusações. Partem do princípio de que alguma
empresa está interessada em ter menos pessoas do que
aquelas que precisa. Não consigo perceber isso
quando, na minha experiência, vejo que é tão difícil
termos pessoas capazes de desempenhar as funções com
qualidade. Não estamos nada interessadas que pessoas
que sabem fazer bem as suas funções, saiam. É uma
afirmação sem pés nem cabeça.
A Autoridade
para as Condições do Trabalho também denunciou...
Isso faz parte
de uma estratégia dos trabalhadores e dos sindicatos
que é compreensível como forma de levantar
dificuldades para chegarem a um acordo com
indemnizações mais elevadas. Em Portugal, o que vai
ser mais complicado é que este Governo, muito
imprudentemente, restringiu a possibilidade de
concessão de subsídio de desemprego a pessoas que
saíssem por rescisões amigáveis. Por um lado,
fomentam o conflito e, por outro, criam, quer nas
empresas como no trabalhador, a necessidade de
configurar uma história diferente para que a pessoa
possa ter o subsídio desemprego.
A banca está,
ou não, a dificultar o acesso das empresas ao
crédito?
Até agora nunca
vi dados quantificados que nos levassem a dizer que
isso é assim.
Mas há
associações empresariais que o denunciam...
Entrámos na fase
da choraminguice colectiva, cada um chora para seu
lado.
Os grandes
projectos públicos estão a secar o crédito?
Tanto a nível do
crédito interno como do internacional.
Deviam parar
alguns dos grandes projectos públicos?
É evidente. Isso
já é uma teimosia pessoal. Quando se fala em lançar
pequenos projectos que possam começar imediatamente
a produzir resultados não estamos com certeza a
falar do aeroporto nem do TGV.
Devia
adiar-se o aeroporto e o TGV?
Com certeza. Já
o defendia antes da crise. Há um crivo que
deveríamos usar há muitos anos e não o fizemos:
perante cada decisão concreta dever-se-ia analisar
se o projecto em questão contribui para melhorar a
nossa competitividade externa, ou não. E devíamos
privilegiar os que contribuíssem.
Deveria ser o
principal factor de decisão?
Porque é a nossa
principal debilidade. Um segundo crivo, mais
quantitativo, deveria ser o de analisar o que
acontece ao coeficiente capital/produto do país com
esse investimento. Ou seja, estou a pôr capital que
é escasso, o que recebo a mais em produto. E temos
investido em coisas com um coeficiente muito
desfavorável. Neste momento, em que temos sobreposto
um aperto conjuntural e estrutural, devíamos tentar
obter coisas que dessem resposta rápida em produto
de forma a melhorar a situação do mercado de
trabalho.