O clube dos professores mortos e o dos disparates
vivos José Manuel Fernandes
Mais do que falar de forma abstracta de falta de
autoridade nas escolas, convinha falar de regras, de
disciplina e de lideranças fortes
Em o Clube dos Poetas Mortos, um filme de sucesso de
há quase vinte anos, o herói era um "professor bom"
que participava nas folias dos adolescentes,
pedia-lhes para "aproveitarem cada momento da vida"
(Carpe diem) e, de uma forma heterodoxa, ensinava-os
a gostar de poesia. Acabou expulso da escola. Uma
escola de elite, por sinal, mas onde os métodos do
professor acabaram por criar uma tensão de que
resultou o suicídio de um dos seus alunos.
A escola retratada - o fictício colégio de Welton,
nos Estados Unidos - regia-se por quatro princípios:
"tradição", "disciplina", "honra" e "excelência".
Tinha sucesso, pois a maioria dos seus alunos
conseguia entrar nas grandes universidades
americanas. E se tinha sucesso com os seus métodos
tradicionais e ortodoxos, a tese do filme era a da
superioridade dos métodos não tradicionais. É
possível que, naquele ambiente elitista, os métodos
do professor de Literatura pudessem, a prazo,
caminhar a par com a disciplina que, apesar de tudo,
se mantinha. O que não é imaginável nem desejável é
fazer todas as escolas à imagem do popular
professor. Mas foi isso que sucedeu.
Imaginou-se que se podia ensinar todas as
disciplinas como ele ensinava poesia, que se podia
tratar todos os alunos como ele tratava aqueles
alunos de boas famílias, quis-se que as nossas
escolas, tendo tempos lectivos limitados,
funcionassem como um colégio interno com recursos
quase ilimitados. Por fim, pediu-se a todos os
professores para serem tão geniais como o professor
Keating (interpretado por Robin Williams).
A mensagem do Clube dos Poetas Mortos era simpática,
atractiva e idealista, mas fez muito mal à escola
portuguesa. O que se passou no Carolina Michaëlis é
disso um bom exemplo. Um entre centenas de outros.
Odebate dos últimos dias -
em que até surgiram personagens a contar,
orgulhosos, as malfeitorias que fizeram aos seus
professores - tem sido distorcido por duas
polarizações artificiais. A primeira é sobre se
"mais autoridade" equivale a "autoritarismo". A
outra é sobre o grau de responsabilidade da
professora.
Na verdade, se olharmos para os lemas da tal escola
de Welton - tradição, disciplina, honra, excelência
- verificamos que nela a "autoridade" não era um
valor em si mesmo. A fidelidade à tradição garantia
que não se estava a "inventar a roda" todos os dias,
exactamente o contrário do que tem sucedido no nosso
sistema educativo. O princípio da disciplina não
requeria um vigilante em cada corredor, antes
resultava do equilíbrio entre a existência de normas
conhecidas e a percepção de que cumpri-las ajudava a
obter melhores resultados. E por aí adiante, valendo
a pena recordar que valores como a honra e a
excelência raramente são os mais apreciados fora e
dentro das nossas escolas.
O que nelas está a suceder não é, ao contrário do
que se quer fazer crer, uma consequência da
massificação do ensino: é uma consequência de termos
um sistema público altamente centralizado, que
desresponsabiliza (quando não humilha) os seus
agentes e que, ao negar aos pais o real direito à
liberdade de ensino, também os afasta da
participação nas comunidades escolares. O que está a
suceder é um consequência de se ter pensado que a
escola democrática era uma democracia igualitária,
sem lideranças nem hierarquias. O que está a suceder
é uma consequência de se tender a olhar para os
alunos como vítimas, ou até como "adoráveis bons
selvagens" cheios de potencial.
A autoridade, na sala de aula como em qualquer grupo
social, ou se tem ou dificilmente se "decreta". É
por isso que o problema não está na autoridade
abstracta do professor, mas nas regras existentes na
escola (é fantástico como nunca ouvimos falar disto
e só nos referem leis gerais ou pomposos "projectos
educativos").
Havendo regras que tenham dado boas provas (daí
valorizar a tradição), pode haver disciplina,
existem condições para exigir comportamentos justos
(e dirigentes honrados) e
procurar a excelência.
Ora se no Carolina Michaëlis tudo indica que nem
regras claras existiriam, apenas o tal "estatuto do
aluno" que só complica a vida dos professores (basta
pensar que se aquela professora tivesse optado por
mandar a aluna para a rua teria de garantir que esta
iria para uma sala de estudo, adequar o plano de
trabalho do aluno e comunicar ao director de turma,
tal como prevê o ponto 2 do art.º 30 dessa celerada
lei), ninguém pode surpreender-se com o caos nem
responsabilizar a professora.
Quando, pelo contrário, há regras e boas lideranças,
"cartas fora do baralho" como o professor Keating
até podem encontrar o seu lugar nas escolas. Se for
essa a vontade daqueles que a escola serve, como é
óbvio.