Sementes visíveis e invisíveis de uma mesma
violência Nuno Pacheco
Violência nas escolas, entre alunos e entre estes e
os professores, é uma coisa antiga. Modernos são
apenas os maus métodos de lidar com ela
Quem viu Glenn Ford no papel de Richard Dadier, um
professor americano desafiado por gangs da escola
secundária onde leccionava, sabe do que se trata.
Mas se o filme Sementes de Violência, de Richard
Brooks (ou, no mais sugestivo título original,
Blackboard Jungle), retratava a América dos anos em
que se estreou (1955), a verdade é que a violência
sempre existiu nas escolas. Chegou a ser autorizada
aos professores, com castigos corporais severos aos
alunos, tal como chegou a originar tumultos
incendiários, a que Portugal só escapou devido ao
seu secular atraso. Mas a pouco e pouco foi, como se
vê, aprendendo. O afrouxar dos laços em matéria de
respeito e disciplina, a que alunos e professores
deviam sentir-se obrigados no espaço da escola (em
tempos, havia até as que proibiam brigas a menos de
300 metros, ignorando-as para lá desse limite), foi
o terreno fértil para o actual estado de coisas. Que
não começou com o vídeo na Internet, filmado por um
aluno divertido e cúmplice (sinal dos tempos, em que
tudo é mediático), mas muito antes, com "vídeos" que
só existem na cabeça de quem os viveu e com eles se
atormenta ainda. Na mesma escola do Porto onde se
deu a triste cena entre professora e aluna que agora
todo o país conhece, houve em Dezembro de 2007 uma
outra, igualmente grave mas silenciada. Uma aluna
puxou os cabelos à sua professora de Português, no
corredor da escola, após uma forte discussão na sala
de aula por causa das notas. Chamada à escola, a mãe
da aluna ameaçou bater na presidente do conselho
executivo. Processo disciplinar para a filha,
intervenção da PSP para a mãe. O conselho de turma
decidiu-se pela expulsão, por duas vezes. Os pais
recorreram e a DREN pôs água na fervura: em vez de
expulsa, a aluna foi transferida para outra escola.
O novo estatuto do aluno, diz a ministra da
Educação, é bom. "Permite ao professor e à escola
agir mais rapidamente, prevenir estas situações e
entrar em contacto com os pais de forma mais
célere", afirmou ontem de forma categórica. Não
disse, nem isso lhe interessa, que a expulsão, como
medida sancionatória, foi abolida (alínea e do art.º
27.º) e que o tal estatuto, no seu densíssimo
articulado (ocupa "apenas" 17 páginas da I Série do
Diário da República de 18 de Janeiro), servirá mais
para "remendar" casos ocorridos do que para
preveni-los. Para isso, seria necessário
responsabilizar de forma severa os pais.
Contactá-los "de forma célere", em tempo de
telemóveis, não parece ser problema e para isso não
era preciso renovar estatuto nenhum. Mas
enfrentá-los, quando em vez de assumirem as suas
responsabilidades querem eles próprios agredir ou
insultar, já é mais difícil. Podem dizer que o
estatuto não é só isso. Que também proíbe
"materiais" nas escolas (lá diz o art.º 15.º, alínea
q) que possam "perturbar o normal funcionamento das
actividades" ou "causar danos físicos e morais", ou
seja, os telemóveis. E um livro, arremessado à
cabeça de um professor ou de um aluno, não provoca
idênticos danos? Estamos a falar, afinal, de quê? De
educação. E da incapacidade de exigi-la, coisa que
não pode ser assegurada pelos muitos milhares de
letras do estatuto do aluno, por muito que tudo isso
esteja lá escrito. É uma coisa mais profunda, que
vem da mais tenra idade e que tem que ter
recompensas e castigos, além de ser frontal e óbvia
para todos. Posto isto, a escola é um lugar de duas
funções básicas: ensinar e aprender. Se as famílias
cumprirem o que lhes cabe em matéria de educação e
afecto, a violência diminuirá.