Público - 23 Mar 08

 

Sementes visíveis e invisíveis de uma mesma violência
Nuno Pacheco

 

Violência nas escolas, entre alunos e entre estes e os professores, é uma coisa antiga. Modernos são apenas os maus métodos de lidar com ela

 

Quem viu Glenn Ford no papel de Richard Dadier, um professor americano desafiado por gangs da escola secundária onde leccionava, sabe do que se trata. Mas se o filme Sementes de Violência, de Richard Brooks (ou, no mais sugestivo título original, Blackboard Jungle), retratava a América dos anos em que se estreou (1955), a verdade é que a violência sempre existiu nas escolas. Chegou a ser autorizada aos professores, com castigos corporais severos aos alunos, tal como chegou a originar tumultos incendiários, a que Portugal só escapou devido ao seu secular atraso. Mas a pouco e pouco foi, como se vê, aprendendo. O afrouxar dos laços em matéria de respeito e disciplina, a que alunos e professores deviam sentir-se obrigados no espaço da escola (em tempos, havia até as que proibiam brigas a menos de 300 metros, ignorando-as para lá desse limite), foi o terreno fértil para o actual estado de coisas. Que não começou com o vídeo na Internet, filmado por um aluno divertido e cúmplice (sinal dos tempos, em que tudo é mediático), mas muito antes, com "vídeos" que só existem na cabeça de quem os viveu e com eles se atormenta ainda. Na mesma escola do Porto onde se deu a triste cena entre professora e aluna que agora todo o país conhece, houve em Dezembro de 2007 uma outra, igualmente grave mas silenciada. Uma aluna puxou os cabelos à sua professora de Português, no corredor da escola, após uma forte discussão na sala de aula por causa das notas. Chamada à escola, a mãe da aluna ameaçou bater na presidente do conselho executivo. Processo disciplinar para a filha, intervenção da PSP para a mãe. O conselho de turma decidiu-se pela expulsão, por duas vezes. Os pais recorreram e a DREN pôs água na fervura: em vez de expulsa, a aluna foi transferida para outra escola.

 

O novo estatuto do aluno, diz a ministra da Educação, é bom. "Permite ao professor e à escola agir mais rapidamente, prevenir estas situações e entrar em contacto com os pais de forma mais célere", afirmou ontem de forma categórica. Não disse, nem isso lhe interessa, que a expulsão, como medida sancionatória, foi abolida (alínea e do art.º 27.º) e que o tal estatuto, no seu densíssimo articulado (ocupa "apenas" 17 páginas da I Série do Diário da República de 18 de Janeiro), servirá mais para "remendar" casos ocorridos do que para preveni-los. Para isso, seria necessário responsabilizar de forma severa os pais. Contactá-los "de forma célere", em tempo de telemóveis, não parece ser problema e para isso não era preciso renovar estatuto nenhum. Mas enfrentá-los, quando em vez de assumirem as suas responsabilidades querem eles próprios agredir ou insultar, já é mais difícil. Podem dizer que o estatuto não é só isso. Que também proíbe "materiais" nas escolas (lá diz o art.º 15.º, alínea q) que possam "perturbar o normal funcionamento das actividades" ou "causar danos físicos e morais", ou seja, os telemóveis. E um livro, arremessado à cabeça de um professor ou de um aluno, não provoca idênticos danos? Estamos a falar, afinal, de quê? De educação. E da incapacidade de exigi-la, coisa que não pode ser assegurada pelos muitos milhares de letras do estatuto do aluno, por muito que tudo isso esteja lá escrito. É uma coisa mais profunda, que vem da mais tenra idade e que tem que ter recompensas e castigos, além de ser frontal e óbvia para todos. Posto isto, a escola é um lugar de duas funções básicas: ensinar e aprender. Se as famílias cumprirem o que lhes cabe em matéria de educação e afecto, a violência diminuirá.