Na Escola Carolina Michaëlis do Porto, uma escola da
classe média e não uma escola "problema" de um
bairro popular, a professora de Francês (altamente
qualificada, por sinal) confiscou um telemóvel a uma
aluna. Quase com certeza porque o telemóvel
interferia com a aula (ou porque estava a ser usado,
ou porque tocava, ou por uma razão qualquer
igualmente grave). A dita aluna berrou e agrediu a
professora. Não a deixou sair da sala. À volta, a
turma ria e comentava: "Olha que a velha vai cair!",
por exemplo. No fim, já havia um molho tumultuário e
confuso, que outra criancinha prestavelmente filmava
e que dali a pouco apareceu no YouTube e, a seguir,
na televisão. Convém acrescentar que a professora
era pequena e frágil e a aluna alta, anafada e
forte. A brutalidade da coisa constrangia.
Perante isto, os nossos comentadores descobriram
logo um culpado: os pais. Toda a gente imagina a
cantilena: pais que não se interessam pelos filhos;
pais que não "educam" os filhos; pais que não lhes
tramitem os "valores" do respeito, da dignidade e da
convivência. Muito bem. Mas não me cheira que a
aluna do telemóvel bata habitualmente nos pais como
bateu na professora. Porquê? Porque não acredito que
ela goze em casa a impunidade de que goza na escola.
Na escola não lhe podem responder bofetada a
bofetada. Não a podem em definitivo pôr fora do
sistema de ensino (excepto com a aprovação pessoal
do ministro). Não a podem sequer fazer perder o ano
por faltas. Não há melhor ambiente para um tiranete.
É a lei da rua. Em última análise, é a lei da
violência.
OObservatório da Segurança
em Meio Escolar (reparem no nome) registou 185
agressões (físicas, como é óbvio) a professores nos
180 dias do ano lectivo. Tirando as que não foram
"participadas" por medo ou por vergonha. Mesmo
assim: mais de uma por dia. E não se trata, como
provou a Escola Carolina Michaëlis, de um fenómeno
marginal, atribuível ao analfabetismo e à pobreza. O
que essa monstruosidade indica é a profunda
corrupção da escola pública. O Governo pretende
agora "avaliar" os professores. Se existisse justiça
neste mundo, devia "avaliar" primeiro a longa linha
de ministros que desde Veiga Simão (um homem
nefasto), Roberto Carneiro e Marçal Grilo arrasaram
no ensino do Estado a autoridade e a disciplina e o
tornaram na trágica farsa que hoje temos.