A culpa é da ministra, dos "paizinhos" e do país Alexandra Prado Coelho
A partir do momento em que a notícia do confronto
entre uma aluna e uma professora foi colocada no
site do PÚBLICO começaram os comentários - mais de
1100 ao final do dia de ontem. Resumo dos principais
argumentos num debate sobre a educação em Portugal
Ninguém sai bem visto. Em mais de mil comentários
que em 24 horas (desde o final da tarde de
quinta-feira até ao final da tarde de ontem) o site
do PÚBLICO recebeu à notícia sobre o confronto
físico entre uma professora e uma aluna numa escola
do Porto há muitos culpados, e todos saem mal vistos
- da aluna à ministra da Educação, Maria de Lurdes
Rodrigues, passando pela professora (aliás, pelos
professores em geral) e pelos "paizinhos" (é,
geralmente, com este "carinhoso" diminuitivo que são
chamados).
A aluna
Dificilmente, a estudante do 9º ano que
inesperadamente se tornou notícia nacional vai
encontrar grande consolo nos comentários dos
leitores do PÚBLICO. É, de forma quase unânime,
condenada pelo seu comportamento na sala de aula, ao
resistir à professora que tenta tirar-lhe o
telemóvel. E o tom não é simpático. Carlos Santos,
do Porto, considera-a uma representante dos
"filhotes da geração rasca, ainda mais mal-educados
que os progenitores". Filipe II, de Olivença,
manifesta uma preocupação menos altruísta: "São este
os jovens que nos vão pagar as reformas? Bem podemos
emigrar".
São vários os que defendem como medida de punição a
expulsão da aluna "de qualquer estabelecimento
escolar público português" (Anónimo, de Tavira), ou
mesmo "de qualquer sistema de ensino em Portugal,
seja no privado ou no público durante dois anos" (Nuno
Conceição, Amadora), ou ainda o trabalho comunitário
"dentro da própria escola, como por exemplo
manutenção da limpeza de todas as salas ou de todos
os w.c." (Diana, de Vila Nova de Gaia).
Aparecem também defensores de métodos radicais.
Veja-se, por exemplo, este Anónimo de Coimbra: "Se
fosse a minha filha teria nesse mesmo dia levado uma
surra em frente a toda a gente com cinto e sem dó
nem piedade. Se fosse professor, no primeiro
instante em que me levantasse a mão levaria umas
boas chapadas mesmo que disso resultasse a minha
expulsão. Inadmissível". Há quem sugira (é o caso de
João, de Portugal) "três dias de prisão e 30 horas
de trabalho comunitário".
Há alguns casos - poucos, é certo, mas por isso
mesmo mais polémicos e que provocam reacções
indignadas - de defesa da aluna. "Não defendo mas
compreendo a reacção da aluna", escreve Jarbas. "Um
telemóvel é hoje em dia como um diário. É pessoal,
particular, for your eyes only, e na sociedade em
que vivemos quem se atravessa neste caminho está a
sujeitar-se". Outros questionam o uso do termo
"agressão", como o Anónimo que escreve: "A agarrar e
a puxar o braço da professora de Francês por esta
lhe ter tirado o telemóvel. Duvido muito que isto
caiba numa agressão, conforme o título, a aluna só
quer o telemóvel. No meu tempo os professores não
tiravam aos alunos nada que lhes pertencesse".
A ministra
O primeiro comentário, que inaugura o debate, é das
18h23 de quinta-feira, vem de Beatriz, de Gaia, e é
directo: "Lamentável o estado a que chegou o ensino
em Portugal! Nós, professores, exigimos
respeito!!!!!!!!!!!!!!!!!! Basta!!!!!!!!!!!! A
ministra deve demitir-se!!!!!". A partir daí foram
muitos os que vieram recordar que "foi por isto que
100 mil foram para a rua", numa referência à recente
manifestação de protesto dos professores em Lisboa.
Repetida em vários comentários está a ideia de que a
política da actual ministra está a descredibilizar
os professores. "Quando um Governo não respeita uma
classe; quando um Ministério passa para a opinião
pública a imagem de que os professores são os
principais responsáveis pela má educação do nosso
país, do que podemos estar à espera?", insurge-se
Maurício Brito, de Viana do Castelo. "A indisciplina
é hoje uma realidade permanente nas nossas escolas.
[...] São três anos a fazer passar uma mensagem que
retirou completamente a autoridade aos professores",
acrescenta Rita Salema, de Lisboa.
Por detrás das críticas à ministra estão,
obviamente, as críticas à política de Educação, com
vários leitores a afirmarem que as mudanças
curriculares e de regras de funcionamento da escola
têm tido um mau resultado. Comenta, com ironia,
Agostinho Vaz, de Ílhavo: "Dêem-lhes mais área
projecto, estudo acompanhado, mais educação sexual e
educação cívica que tudo se resolve [...] haja
coragem: já reduziram a segunda língua a uma aula
por semana, acabem com ela de vez, e com a
matemática e a gramática e o latim (ooops, Rip). Com
tantos talentos que tem esta criançada só são
precisos professores de sexo e ideologia
televisiva".
Outros insurgem-se contra o novo Estatuto do Aluno
que, escreve Agostinho Santos, de Pombal, "não
distingue faltas por doença de faltas por cabulice
(apenas nos números, não nos efeitos); limita a
capacidade de intervenção sobre estes
comportamentos, etc., etc.". Maria Rita, de Setúbal,
reforça a opinião: "E agora, já perceberam que não
basta escrever no Estatuto do Aluno que não são
permitidos aparelhos electrónicos nas aulas, é
preciso ir mais longe e dar meios aos professores
para exercerem a sua autoridade e isso passa por
permitir que sejam marcadas faltas aos alunos que
desrespeitam os professores e que essas faltas
tenham reflexo na sua vida escolar!!!".
"Qual é a pena máxima a que se sujeita esta aluna?",
interroga-se Ana Tavares, do Porto, para responder
logo de seguida: "Dez dias de suspensão, que não têm
nenhum efeito penalizador porque já nem sequer se
reprova por faltas! [...] À luz do novo estatuto do
aluno provavelmente ainda terá direito a uma prova
de recuperação por ter estado dez dias ausente das
aulas".
E há os que optam pelo humor: "Não incomodem a DREN
[Direcção Regional de Educação do Norte], por
favor", pede um Anónimo do Porto. "Eles andam a
escutar as conversas nos gabinetes e a fazer queixa
uns dos outros. Deixem-nos trabalhar".
Apesar disso, há alguns leitores isolados que
defendem a ministra. É o caso de Manuel Pavia, de
Lisboa, que às oito horas da manhã de domingo
escreve: "Mas, senhores professores, por favor,
parem de uma vez por todas de insultar a competente
e corajosa Ministra da Educação e o
Primeiro-Ministro do governo de rigor reformista do
nosso país, da forma soez como muitos o têm vindo a
fazer".
Surgem também referências à questão escola
pública/escola privada. "Porque será que nos
colégios particulares isso não acontece?, pergunta
José Lourenço, de Lisboa. "É por causa desta
indisciplina, a todos os níveis, que renuncio a tudo
para ter os meus filhos num colégio particular. Não
faço férias, mas também os meus filhos não são
educados na selva do ensino oficial!". A. Cardoso,
de Lisboa, concorda: "A minha filha está numa escola
privada. Não por elitismos, não por os professores
do privado serem melhores, mas exclusivamente pela
segurança".
Os "paizinhos"
Ninguém os defende. São, segundo opinião
generalizada, os grandes culpados. Porque se demitem
do seu papel de educadores e esperam que a escola os
substitua, porque mimam demasiado os filhos, porque
justificam e chegam até a defender comportamentos
deste tipo. "Solidariedade à professora e a todos os
professores que têm que ensinar estas "bestas" que
são o reflexo dos pais que têm em casa", escreve
Mário, das Caldas. "Paizinhos, então?", desafia
Jorge, do Porto. "A maioria desconhece o que se
passa no interior da sala de aula! Outros nem
conhecem os filhos que têm em casa. Outros dão
cobertura às atitudes dos filhos! Outros, depois de
convocados, não colocam lá os pés! Outros, se lá
vão, armam confusão e ameaçam o director de turma (e
quantos com pancada)!".
"Onde andam e o que andam a fazer os paizinhos
destes miúdos palermas?", pergunta, a partir da
Polónia, Patrícia Freixo. "Eles apenas tratam os
professores como tratam os pais!! De quem será a
culpa?" (Anónimo, Porto).
Pedro Santos, de Lisboa, resume: "Isto é o produto
líquido de um falhanço geracional na socialização do
indivíduo, onde os pais e a sua demissão permanente
conduzem os filhos ao vazio de valores e à
futilidade dos referenciais". Ou, dito por outras
palavras (neste caso as de João, dos Açores):
"Estamos a produzir uma geração de mimalhos
malcriados, com a bênção do Estado".
A professora (professores)
As opiniões dividem-se entre os que se solidarizam
com a professora e consideram que ela foi corajosa -
"um professor menos corajoso deixaria passar para
não se aborrecer", acredita Paulo Semedo, de Coimbra
-, e (em menor número) os que consideram que ela
lidou mal com a situação. "Porque é que a professora
não optou por outra solução?" questiona José Girão,
de Lisboa. "Por exemplo, chamar pessoal auxiliar,
não começar a aula sem que tivesse condições para
isso; tentar negociar a situação; ou qualquer outra
excepto o confronto físico". Um leitor que se
identifica como Acropolis e escreve de Sintra
considera que a professora "não se sabe dar ao
respeito, envolvendo-se em birras infantis".
Vários professores participaram no debate no site do
PÚBLICO, alguns para dar exemplos de outras
situações do mesmo tipo e da impotência que sentem
perante elas. "Sou professora há 22 anos e de há uns
anos para cá a indisciplina tem aumentado como se de
um vírus se tratasse", denuncia uma participante
anónima. "Onde está a responsabilidade dos pais, que
se demitem da sua função e nem à escola vão?
Gostaria que houvesse uma estatística da comparência
dos pais na hora do atendimento dos mesmos. Pode
alegar que a hora é imprópria, os Directores de
Turma disponibilizam horas de atendimento fora do
horário de trabalho. Quererá que o atendimento seja
feito ao domicílio?".
Este comentário era uma resposta a uma das
intervenções mais polémicas, a de João Bernardo
Salsicha, de Estremoz, que acusou a professora de
ter demonstrado "total ignorância e inépcia
pedagógica".
O país
O país leva de todos os lados. "República das
bananas" é uma expressão que aparece em vários
comentários sobre "este país que temos". Outros
(Anónimo, de Odivelas) recordam o tempo em que
"Portugal era realmente um país a sério [...] em que
cenas destas nunca se dariam"
"Sinto que o meu país assim não vai a lado nenhum",
lamenta-se Pi, a partir de Roma. Diogo Barbosa, do
Porto, considera que o episódio "retrata bem o país
que temos, que não é mais do que um país do terceiro
mundo que teve a sorte de se situar fisicamente na
Europa". Há mesmo quem já se tenha reposicionado no
mundo: José Dias escreve de "Almada, Portugal, 4º
Mundo".
Para terminar, o futuro (pouco risonho) visto por
Rui Zink: "Muito mais tristes do que a rapariga na
imagem são os comentários e os risos dos seus
coleguinhas. Quando forem grandes vão de certeza ser
Portugueses. Na volta, se calhar, já são".