Diário Económico -
14 Mar 06
Polémica
sobre cheque-ensino
Rodrigo Queiroz e Melo
No último
observatório do DE, dedicado à educação, os membros
do painel foram unânimes quanto ao mau estado actual
do ensino básico e secundário em Portugal: os alunos
obtêm resultados fracos e o abandono escolar é
elevado. Também quanto ao diagnóstico há acordo. Um
sistema demasiado centralizado, pouco flexível e
desadaptado das populações que serve.
Junta-se
a isto algum consenso quanto às características que
as escolas devem passar a ter para ultrapassarmos
este estado de coisas. Lideranças fortes e autonomia
de gestão, capacidade de inovação e de adopção de
boas práticas, parcerias com o tecido empresarial
local, parafernália TIC e, provavelmente, em mais
uma série de itens que não foram mencionados.
Por fim,
cada especialista propôs formas de melhorar o
desempenho das escolas. Aqui porém julgo que o
consenso é mais aparente que real. Não só entre os
membros do painel mas entre todos nós. A grande
questão que se coloca neste momento à nossa
consideração quanto ao esforço de melhoria das
nossas escolas é se acreditamos ou não na liberdade
individual como motor do desenvolvimento pessoal e
social ou, pelo contrário, acreditamos que a
melhoria se alcança por meio da estandardização de
processos e da gestão microscópica da sala a partir
dos órgãos do Estado.
Os
sucessivos governos têm dedicado à educação uma
atenção especial. Portugal tem feito um esforço
financeiro importante, registando hoje um
investimento na educação ao nível da média da OCDE.
As nossas escolas estão hoje bem equipadas e os
docentes são todos licenciados e profissionalizados.
Porém, os
resultados estão aquém das expectativas e
continuamos a perder terreno nas comparações
internacionais. As medidas legislativas e
administrativas sucedem-se e os resultados não
aparecem. E porquê? Porque a liderança, o exercício
da autonomia, a inovação, o sentimento de pertença,
o orgulho, a esperança e a dedicação não se
decretam! Todos estes factores, distintos na sua
natureza, têm uma característica comum: dependem da
motivação dos agentes para a acção. E o que é que
motiva as pessoas? A realização pessoal, o sentido
de pertença, a possibilidade de influenciar o seu
próprio destino. Aliás, tudo características que se
pretende transmitir aos alunos!
E como
conseguimos esta motivação? Tornando a liberdade
individual a pedra angular da escola. Liberdade de
criar e propor projectos educativos e liberdade de
aderir ou não a esses projectos. Liberdade de oferta
educativa pelas comunidades locais, por grupos de
professores, por grupos de pais, por entidades
não-lucrativas ou por entidades lucrativas.
Liberdade de adesão pelos docentes, pelos não
docentes e pelas famílias.
É certo
que a liberdade tem um custo. Especialmente num país
que ainda não ultrapassou, neste sector, a fase da
dependência do pai Estado. Mas não me parece
razoável que se invoquem as dificuldades da
liberdade como argumento a favor da manutenção do
status quo.
Na Nova
Zelândia a revolução fez-se de um ano lectivo para o
outro. No Reino Unido a revolução está em curso, a
Holanda, a Suécia e a Dinamarca já são livres.
Para
mais, já existe Portugal experiência sobre autonomia
(contrato de associação, escolas profissionais,
currículos próprios e um contrato de autonomia),
sobre avaliação de escolas (Observatório das
Escolas, Avaliação Integrada, Programa AVES, EFQM) e
sobre divulgação de resultados (Roteiro das Escolas,
relatórios da IGE).
Agora, só
falta a vontade de implementar instrumentos que já
conhecemos.
Como
diria Churchill, isto não é o fim, nem mesmo o
princípio do fim, mas é o fim do princípio. Portugal
é capaz, e tem know-how. Temos é de passar à acção.
A
terminar, um reparo. Utilizar o argumento da falta
de acesso da população a informação sobre as escolas
para obviar à liberdade de escolha pelos pais é
abrir a porta ao voto capacitário, ao despotismo
esclarecido e a outros totalitarismos. Se há falta
de informação temos de a criar e divulgar, mas nunca
limitar a liberdade.
Rodrigo
Queiroz e Melo, Professor da Universidade Católica
Portuguesa
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