Público - 11 Mar 06
Colapsos
José Manuel Fernandes As civilizações não são eternas nem costumam morrer
assassinadas, antes suicidar-se. Sem aviso prévio
Uma das grandes ilusões criadas
pelo progresso dos últimos séculos é que, mesmo
conhecendo altos e baixos, existe como que uma
marcha imparável da Humanidade em direcção a
melhores dias. Mas quando se descobre a grandeza das
grandes pirâmides de Gizé ao lado dos imensos
subúrbios pobres do Cairo, quando nos perdemos entre
as pedras milagrosamente arrumadas de Machu Pichu ou
quando lemos o que no século XIX se escrevia sobre a
"decadência dos povos peninsulares", percebemos que
mesmo as maiores civilizações podem acabar ou, mais
simplesmente, perder o seu fulgor.
Há mil anos os grandes centros de poder e
conhecimento moravam na China e no Médio Oriente, há
quinhentos anos a Europa começava a disputar a
hegemonia mundial e há apenas uma geração poucos
diriam que um mundo bipolar mas previsível daria
lugar à actual unipolaridade instável e
imprevisível.
Vale por isso a pena regressar à história da ilha de
Páscoa, sobre a qual foram esta semana revelados
novos dados na revista Science. Inquietantes dados:
o colapso da sua civilização foi muito mais rápido
do que se pensava. Julgava-se que os polinésios
tinham habitado Rapa Nui - assim baptizaram esse
paraíso perdido no meio do Pacífico - durante quatro
séculos em harmonia com a natureza, mas parece que o
processo de destruição dos recursos naturais que
Jared Diamond descreveu em Collapse demorou apenas
algumas gerações. Os mesmos homens que foram capazes
de erguer as estátuas grandiosas que hoje olham
melancolicamente o imenso mar, foram também capazes
de destruir num ápice uma floresta que contaria 20
milhões de palmeiras, esgotando os recursos e
criando um deserto onde se voltou a viver como na
Idade da Pedra.
Esta história apenas confirma a velha máxima de um
dos grandes historiadores do século XX, Arnold
Toynbee: "As civilizações morrem por suicídio, não
por assassinato." E faz-nos regressar à previsão
sombria de Timothy Garton Ash que, num texto
recente, se interrogava se não estaríamos a viver um
daqueles períodos históricos que um dia será
recordado como um momento tão glorioso como efémero
do génio realizador do homem.
Os últimos meses têm sido férteis em sinais de como
a hipótese de regressão ou mesmo de colapso é sempre
companheira do progresso e da civilização. Das
diferentes crises políticas que têm por epicentro o
mundo islâmico até à evidência de que estamos a
consumir as energias fósseis a um ritmo
incomportável para manter as nossas economias a
crescer, as tensões têm surgido de todo o lado.
Pior: há outras que, por não suscitarem conflitos
abertos, podem até revelar-se mais perigosas. Uma
delas tem a ver com a rápida alteração do perfil
demográfico do planeta e com a implosão populacional
do chamado "Ocidente", em especial da Europa.
Em 1970 vivia nos países desenvolvidos um pouco
menos de 30 por cento da população mundial; em 2000
já só vivia um pouco mais de 20 por cento. Esta
perda de peso é mais evidente na Europa, onde já se
assume que é necessário substituir filhos por
imigrantes para assegurar a sustentabilidade da
segurança social. Em algumas décadas a demografia
pode tornar irreconhecíveis muitas das velhas nações
europeias, nações hoje facilmente definíveis como
pós-cristãs. Porquê? Uma hipótese de resposta é a
sugerida por Mark Stein num recente artigo na
revista The New Criterion: "O problema com a
sustentabilidade dos Estados sociais é que eles
necessitam das taxas de natalidade próprias de
sociedades onde a religião ocupa um lugar central."
Isto pode parecer paradoxal, mas as estatísticas
estão do lado de Stein, mesmo que a solução tenha de
estar onde nós quisermos que esteja. Recordem-se
pois os colapsos passados ao anotar os perigosos
sinais dos tempos que vivemos.
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