Expresso Online - 16Mar 05
A última das prioridades
Políticas de família
Jorge Simão/EXPRESSO
A classe política portuguesa está pouco sensibilizada para dar
prioridade às políticas da família porque esse tipo de questões é
também pouco valorizado entre os eleitores, afirmou Marcelo Rebelo
de Sousa, terça-feira, durante o congresso «Portugal 2005 - Que
Crianças? Que Famílias?», no Centro Cultural de Belém.
«É estranho, mas a sociedade portuguesa não assume a família como
uma prioridade nacional», disse Marcelo Rebelo de Sousa, destacando
o facto de que, segundo mostram sondagens e inquéritos, para as
intenções de voto são mais determinantes outros factores e que,
mesmo quando surgem itens como a educação, é mais de um ponto de
vista de análise do sistema educativo.
Falando enquanto moderador do painel «Políticas integradas para a
infância», Marcelo disse que a desvalorização dos problemas da
família se deve em parte à abordagem da comunicação, em especial das
televisões, que raramente dão destaque de abertura de noticiários a
este tipo de assuntos, exceptuando alguns casos, que têm grande
impacto mas que são apresentados sobretudo a um«nível
melodramático», em vez de se perguntar as causas e de tentar fazer
um enquadramento mais profundo dos problemas.
O pediatra social britânico Aidan Macfarlane havia considerado
anteriormente os «media» como um «aliado» vital para se conseguir
colocar a política da criança e da infância no topo das prioridades
políticas. Macfarlane desafiou mesmo os profissionais do sector a
não terem receio de usar os «media» como forma de pressão perante a
ausência de iniciativa política, ressalvando, no entanto, que a
mudança de mentalidades é uma batalha de médio ou longo prazo. A
pobreza é das maiores ameaças à saúde e ao bem-estar das crianças, o
que se verifica mesmos nos países mais desenvolvidos e no futuro se
traduzirá inevitavelmente num pesado custo para o Estado. E esse é
um factor a que os políticos deviam estar mais atentos, considerou
Macfarlane.
A questão dos custos que uma má política da família e da criança
acarreta para o Estado voltou depois a estar em foco durante o
painel moderado por Marcelo Rebelo de Sousa, com Margarida Neto,
comissária nacional para os assuntos da família, a chamar mais uma
vez a atenção para os baixos índices de natalidade entre os
portugueses (actualmente 1,4) e para as consequências que a pirâmide
invertida irá trazer:«Qualquer dia dizemos ´no tempo em que havia
irmãos´.» O problema do envelhecimento, acrescentou,«não é só por
causa da sustentabilidade da segurança social mas também porque a
sociedade precisa da infância».
Margarida Neto considerou que nos tempos actuais há poucos
incentivos para as famílias numerosas, realçando que,«hoje, a
célula-base da sociedade arrisca-se a ser a empresa e não a
família».«Era preciso trabalharmos mais em tempo parcial, mas ao
mesmo tempo que tivéssemos maior produtividade», acrescentou, para
chamar a atenção para a complexidade do problema.
Numa altura em que, após a mudança de Governo, aguarda a todo o
momento o anúncio da extinção da comissão que chefia, Margarida Neto
lamenta a falta de continuidade nas políticas e nas estruturas deste
sector.
Entre os membros do painel estiveram ainda o pediatra João Carlos
Gomes Pedro e Manuela Eanes, presidente do Instituto de Apoio à
Criança, que defendeu a importância de maiores apoios às famílias e
às mães, uma vez que a«estruturação da personalidade do homem
assenta nas relações mãe-filho estabelecidas nos primeiros meses».
A presença de responsáveis de instituições foi depois aproveitada
por algumas assistentes sociais e educadoras para lamentarem que as
inúmeras instituições de apoio na prática muitas vezes não dêem
resposta aos problemas existentes. Para além do exemplo referido por
uma assistente social que afirmou ter pedido apoio sem sucesso ao
Instituto de Apoio à Criança, fizeram ouvir-se algumas críticas à
inoperância da Comissão de Protecção de Menores, cujas equipas
frequentemente não dispõem dos técnicos necessários para funcionar.
Alexandre Costa
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