Os equívocos da escolha decisiva
João César das Neves
O país depende cada vez mais de
imigrantes, que fazem os trabalhos indispensáveis que os portugueses
desprezam
O país está em tempo de escolhas. Mas a mais importante
de todas é, sem dúvida, aquela que milhares de alunos fazem por esta altura.
No 9.º e no 12.º anos, em situações muito variadas e distintas, os jovens
vão decidir nas próximas semanas coisas determinantes para a sua vida
futura. Continuo ou não a estudar? Que curso e carreira devo escolher?
Este facto constitutivo da sociedade moderna e civilizada, sendo normal e
comum, não deve levantar dificuldades. A angústia, incerteza e desorientação
que geram são muito dolorosas para quem as suporta, adolescentes e pais. Mas
são coisas da vida, que nos devem alegrar e suscitar apoio.
Hoje em Portugal, porém, existe um conjunto de circunstâncias que cria aí
graves interferências. Ideias feitas, teorias educativas e mitos modernos
conjugam-se para distorcer este momento, que deveria ser uma consagração da
personalidade individual e do desenvolvimento socioeconómico. Estes
equívocos, igualmente graves para os que abandonam o ensino e para os que
avançam para a universidade, tomam formas diferentes nos dois casos.
O pior dilema é o dos jovens que decidem não continuar os estudos e saem da
escola. Uma pessoa que passou nove ou mais anos nas aulas não quer ser
operário, cavador ou servente. Aspira naturalmente a emprego mais digno;
pelo menos escriturário, contínuo, telefonista. Esta é uma atitude normal,
compreensível, razoável. Mas esconde graves problemas. Apesar da queda da
agricultura e indústria na economia nacional, um país não pode viver sem
trabalhadores braçais e só com funcionários de secretária. Pior de tudo, a
escola, que se julga a solução mágica do desenvolvimento, como é livresca e
abstracta não forneceu aos jovens a produtividade que lhes garanta salários
altos. Só lhes deu o sonho de os ter.
Os resultados são evidentes. Primeiro, o país depende cada vez mais de
imigrantes, que fazem os trabalhos indispensáveis que os portugueses
desprezam. Depois, o desemprego sobe com muitos empregos desocupados. Uma
vaga num escritório tem milhares de candidatos, mas faltam jornaleiros,
carpinteiros, canalisadores.
Quanto aos estudantes que avançam para o ensino superior, eles são vítimas
das modas intelectuais. Muitos professores, pais e educadores insistem com
os jovens para que eles enveredem pela carreira que realmente sentem como
sua. "Não te preocupes com as saídas profissionais", dizem os mais
impositivos; "o que interessa é fazeres o que gostas!" Deste modo,
instila-se a atitude de escolher profissão como se escolhe passatempo ou
sobremesa. Sobretudo esquece--se que o trabalho, qualquer trabalho, por
muito que se goste dele, implica sempre esforço, dificuldade, exigência. Não
admira que tantos, ao primeiro obstáculo, duvidem da escolha feita ou
enveredem pela facilidade, mascarada de vocação.
As consequências são igualmente funestas para os jovens e para o país.
Primeiro, no enviezamento das candidaturas à universidade. Faltam
licenciados em cursos técnicos, mas estudam-se matérias que, por muito
interesse que tenham, dificilmente serão absorvidas pela circunstância do
país. A percentagem de alunos do liceu na secção de Artes é exagerada, mesmo
para um país mais rico que Portugal. Multiplicam-se as licenciaturas
hiperespecializadas em cursos como Turismo, Antropologia, Biologia Marítima,
Desporto, entre tantos outros, que amontoam os licenciados competindo pelos
poucos lugares disponíveis no respectivo sector. Quase todos acabam
suportando o malogro de uma ocupação diferente daquela para que foram
preparados.
A todos, com o ensino básico, secundário ou superior, a vida se encarregará
de ensinar mais que a escola. Mas esta é uma das formas pelas quais o
ensino, alegadamente motor essencial do progresso, acaba por distorcer e
atrasar aquilo que deveria promover.
A educação não gera o desenvolvimento. Só a boa educação o faz. A má, aqui
como em tudo, é apenas um desperdício de tempo e recursos. A principal
diferença entre a boa e a má educação é o bom senso.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt