Diário de Notícias - 8 Mar 04
PSD e PS deixam cair desafio da Igreja sobre início da vida
INÊS DAVID BASTOS
PSD e PS rejeitaram ontem o desafio da Igreja para que a Assembleia da
República (AR) assuma uma posição política sobre se o embrião é, ou não,
vida humana. Os sociais-democratas entendem que a actual legislação, que
define «já um conceito de vida em termos jurídicos», é suficiente e os
socialistas defendem que discutir agora esta questão seria «regressar a um
período que está ultrapassado». Ou seja, a 1984, quando foi aprovada a
actual lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.
«A definição rigorosa do conceito vida não é fácil, ultrapassa a biologia
e envolve a ética e até a filosofia. Há questões em aberto que estão a ser
discutidas e não me parece que devamos dar um passo nesse sentido», disse
ao DN o líder parlamentar do PSD, Guilherme Silva. «O que está adquirido é
bastante», sublinhou, em resposta ao desafio lançado anteontem pela
Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Os bispos emitiram um documento no
qual sustentam que, «no estádio actual da ciência, começa a ser
incompreensível que um Estado de Direito não tenha uma posição oficial»
relativamente ao embrião. E criticam os políticos por relegarem o problema
[da inviolabilidade da vida desde a concepção] «para o campo das opções da
consciência». Os bispos defendem que o embrião é já uma vida humana e
assumem-se contra a despenalização do aborto, mas a favor da aplicação de
atenuantes em sede de julgamento às mulheres acusadas da sua prática.
Também o PS afasta o desafio dos bispos, considerando que «não é essa a
questão que está em causa», mas sim a da despenalização do aborto. O
deputado socialista José Magalhães considerou mesmo, em declarações ao DN,
que o actual quadro legal - que contém «um certo grau de protecção elevado
da vida intra-uterina sendo excessivamente penalizador da mulher» - devia
«ser revisto». Mas no sentido da «uma harmonização europeia». Isto é, o
vice-presidente da bancada socialista e membro da comissão parlamentar dos
Assuntos Constitucionais defende que a AR «deve definir uma estratégia
eficaz de protecção da vida intra-uterina» que não passe pela «imposição
da pena de prisão às mulheres».
«Regressar ao Código de 1886 seria um retrocesso bárbaro», disse José
Magalhães, referindo-se à posição da Igreja sobre o embrião. O deputado
socialista sustenta que «até o PSD e PP já assumiram a lei de
despenalização
de 1984, contra a qual tinham votado».
Contactado pelo DN, o secretário-geral do CDS, partido que sempre se opôs
à despenalização do aborto e que defende o direito à vida desde a
concepção, não quis comentar o desafio dos bispos. «Temos de analisar
primeiro com atenção o documento da Conferência Episcopal», justificou
Mota Soares. O dirigente democrata-cristão não deixou contudo de aplaudir
a proposta da Igreja de serem aplicadas às mulheres acusadas da prática de
aborto ilegal «circunstâncias atenuantes».
No passado dia 3, o interrupção voluntária da gravidez voltou ao
Parlamento, com a oposição a apresentar projectos para a sua
despenalização ou para a realização de um referendo. Iniciativas que foram
travadas pela maioria parlamentar, que optou por exigir ao Governo o
cumprimento da lei em vigor, a de 1984. Escudando-se num compromisso
eleitoral assumido por Durão Barroso, o PSD atirou o debate sobre o aborto
para 2006.
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