Público - 8 Mar 04
Bispos Querem Lei para Proteger o Embrião
Por ANTÓNIO MARUJO
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) considera "incompreensível que um
'Estado de Direito', cuja essência é a defesa e a promoção da vida, não
tenha uma posição oficial" sobre a protecção do ser humano desde a
concepção - que é como quem diz, sobre a protecção jurídica do embrião.
A afirmação está contida numa nota pastoral da CEP, divulgada sábado à
noite e intitulada "Meditação sobre a vida", mas que trata exclusivamente
da temática do aborto e na qual se reafirma a oposição da hierarquia
católica à sua descriminalização e à despenalização.
Os bispos estiveram reunidos esta semana, em Fátima, para o seu retiro
anual. No final destas assembleias costumam dedicar um tempo a debater
assuntos pendentes e assim aconteceu com esta nota, distribuída aos bispos
na quarta-feira à noite e votada sexta. O bispo do Porto, D. Armindo
Coelho, que recentemente manifestou alguma abertura em relação à
despenalização das mulheres que praticam aborto, não participou na
assembleia, tal como o bispo resignatário de Setúbal, D. Manuel Martins.
No documento, onde se nota alguma influência literária do patriarca de
Lisboa, D. José Policarpo, os bispos escrevem que "o ponto crucial de toda
a polémica acerca da legalização do aborto, consiste nisto: o embrião
humano e o feto são ou não um ser humano desde o primeiro momento?"
Ao responder à pergunta, a CEP contesta que o aborto seja um direito da
mulher, ou que se possa reduzir a uma questão político-ideológica,
religiosa ou de moral sexual. Precisa, antes, de ser despolitizada: "É
indigno da maturidade política de um Povo que alguém seja a favor da
legalização do aborto só porque pertence a um determinado partido ou segue
uma certa visão da sociedade."
Apesar disto, a Conferência Episcopal diz que o Estado deve legislar sobre
o tema: a "inviolabilidade da vida humana, desde o seu início até à morte
natural, é uma questão de direito natural" e "um dos alicerces da
convivência ética" em sociedade", escreve-se no texto.
Na moderna concepção, "o Estado é considerado 'pessoa de bem' e, por isso,
também tem consciência", não se podendo relegar "o problema para o campo
das opções de consciência".
A mulher é a "protagonista principal, embora não única, no drama do
aborto", mas este "não é redutível a uma afirmação dos direitos da mulher,
do direito ao que se passa no seu corpo, como tem sido afirmado", vincam
os bispos. O "reconhecimento da alteridade" do filho é uma das primeiras
"manifestações da maternidade" e, por isso, a mãe tem os mesmos deveres
perante o embrião que "qualquer indivíduo perante a vida de outrem".
Mais à frente, falando sobre a despenalização, que é recusada, o texto
acrescenta que, "seja qual for a resposta dada a esta questão, ela não
poderá fundamentar qualquer forma de legalização do aborto que constitua
um direito da mulher".
Os bispos admitem, como acontece com diversos crimes, que haja
"circunstâncias psico-sociais [que] podem tornar 'inimputável' ou com
responsabilidade atenuada, quem praticou um aborto ou para ele
contribuiu", o que "não retira ao acto em si mesmo a sua natureza
criminosa".
A despenalização também não é o caminho admitido pela CEP, no que pode ser
entendido como uma referência implícita às propostas formuladas
recentemente por Freitas do Amaral. Mas os bispos preferem não se
pronunciar "sobre essa questão de natureza jurídica".
No entanto, em julgamento, poderão ser consideradas "eventuais
circunstâncias atenuantes, até porque o grau de responsabilidade não é o
mesmo, quer entre em as mulheres que abortam, quer entre aqueles que as
condicionam e contribuem para o aborto".
"Promover a vida é uma missão"
O texto começa por lembrar que o modo de abordar o tema da vida exprime as
contradições da própria existência humana, "capaz de beleza e de drama",
de "sublimes expressões de generosidade" e de "abjectas manifestações de
violência". Manifestações dessa contradição são o júbilo pelos resgates de
sobreviventes soterrados por sismos ou uma "campanha violenta a favor da
legalização do aborto" e a "extensão do fenómeno de abusos sobre
crianças". A vida, definição de Deus, é também definidora da Igreja, "um
povo pela vida". Por isso, dizem os bispos, não se lhe pode pedir que
"alguma vez e em qualquer circunstância, seja contra a vida": "Promover a
vida é, para a Igreja, uma missão."
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