Público - 8 Mar 04
Adopção por Homossexuais Divide Técnicos de Saúde Mental
Por CATARINA GOMES
Luís Villas-Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei da
Adopção, lançou a polémica. Afirmou que mais vale uma criança passar toda
a vida numa instituição à "infelicidade de ser educado por homossexuais",
porque tal irá interferir com a sua "sexualidade natural".
Entre os técnicos de saúde mental contactados pelo PÚBLICO as opiniões
dividem-se: há quem defenda que a aptidão para ser pai não se mede pela
orientação sexual e quem veja risco acrescido de problemas mentais nas
crianças educadas por homossexuais.
Nuno Carneiro, doutorando na Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade do Porto e que estuda o processo de construção da
identidade homossexual, afirma que são vários os estudos que apontam para
a inexistência de diferenças entre os filhos criados em lares homossexuais
- a ideia de que são mais infelizes não tem validade científica.
Vários estudos que avaliaram auto-estima e bem-estar psicológico,
desenvolvimento cognitivo e qualidade das relações pais/filhos concluem
que não existem diferenças, refere o psicólogo, com experiência clínica
junto da comunidade "gay" e lésbica.
Augusto Carreira, pedopsiquiatra do hospital D. Estefânia, em Lisboa,
afirma que a qualidade emocional dos pais, qualquer que seja a sua
orientação, é o mais importante. Mas se lhe derem a escolher entre um
casal heterossexual e outro homossexual, escolhe o primeiro porque,
"apesar de tudo, é mais fácil para a criança". Também porque os dois sexos
têm formas diferentes de viver as emoções e a criança sai enriquecida
emocionalmente com as duas vivências. Prefere, no entanto, um casal
homossexual a uma instituição.
Dizer que a sexualidade é condicionada pelo meio familiar é "simplificar
por demais a sexualidade humana". Não é o processo de socialização que
mais contribui para ela. Então e a escola, os amigos, os professores? "Não
existe resposta fechada", nota Cristina Santos, socióloga que realizou uma
tese de mestrado na Universidade de Coimbra intitulada "Dos direitos
humanos aos direitos das minorias sexuais".
"Não há questão de partida que impeça o adoptante por via da orientação
sexual. A estabilidade económica, emocional, o desejo e aptidão para ser
mãe não se podem medir pela orientação sexual". Ao mesmo tempo, refere,
não passa pela cabeça de uma assistente social perguntar a um casal
candidato a adopção se tem práticas sadomasoquistas - então por que é que
a orientação sexual, uma questão da intimidade, é relevante?
A psicóloga clínica Gabriela Moita, por seu lado, refere que a orientação
sexual dos pais é o elemento menos relevante de tudo o que as crianças
precisam, o que inclui segurança, autonomia, responsabilidade, atenção e
carinho.
Gabriela Moita contesta também a hipótese que associa a educação num lar
homossexual à maior propensão para a homossexualidade e diz que não há
relação causal: "Somos influenciados por tudo: o meio, a influência
parental, os genes". Mas não existem quaisquer provas de que a adopção por
homossexuais acarrete riscos para a criança e que os filhos de
homossexuais desenvolvam mais ou menos perturbações da identidade de
género.
As diferenças são poucas e Gabriela Moita refere até um estudo que conclui
que "os pais homossexuais investem mais no apoio psicológico - os
heterossexuais são mais preocupados com apoio económico".
"Empobrecimento das relações"
Maria José Gonçalves, directora do departamento de pedopsiquiatria do
Hospital D. Estefânia, afirma que "viver numa família homossexual é um
factor de risco para o desenvolvimento psico-afectivo da criança". Por
outras palavras, crianças a viver em famílias "homo" têm factores de maior
risco em termos mentais.
"Há um empobrecimento das relações", considera. As crianças são amputadas
de factores de riqueza: de relação com o diferente. Não é apenas a
sexualidade que é diferente; o funcionamento cerebral dos dois sexos
também é e isso vai definir a forma diferente como se relacionam com os
filhos, salienta.
No entender de Maria José Gonçalves, essa diferença vem enriquecer a
vivência da criança e não são papéis sociais vindos do exterior, como
primos ou tios, por exemplo, que podem assumir o mesmo papel, porque não
existe o mesmo tipo de intimidade e qualidade de relação.
Ao mesmo tempo, refere, "não basta que o pai faça de mãe, as
características de estimulação são diferentes". O desenvolvimento saudável
é mais provável dando às crianças oportunidades de vivenciarem aspectos
diferentes. Mas, realça, viver numa família heterossexual não é a palavra
mágica para ser criança saudável e é preferível viver numa família
homossexual empática que numa instituição.
O pedopsiquiatra Emílio Salgueiro realça que este é um campo onde não
existem grandes certezas, mas "é preferível que uma criança cresça com um
modelo de funcionamento que aceite o sexo oposto". Apresentar à criança um
ambiente heterossexual é, defende, dar-lhe a oportunidade de se tornar
heterossexual; crescer em família homossexual torna mais difícil a opção
de ser "hetero", embora as crianças não vivam numa redoma e tenham
contacto com tios, primos que possam ser outros elementos de referência.
"A evolução para a heterossexualidade tem base genética. A criança nasce
com propensão anatómica e hormonal para a heterossexualidade - o que
encontra cá fora vai ter peso na sua identidade de género", continua. É
assim que se "deve procurar criar para as crianças uma possibilidade mais
alargada de formação da identidade sexual", nomeadamente progenitores de
sexos diferentes.
Mas "ser homossexual só descreve uma parte da pessoa, tudo o resto que não
seja identidade de género tem tanto ou mais peso". Por isso Emílio
Sangueiro considera que "mais importante que inclinação sexual é a
avaliação da qualidade da personalidade dos pais", o que exige uma
avaliação caso a caso. Conclui, no entanto, que "é mais vantajoso para
gerações futuras que as crianças sejam criadas por pessoas de sexos
diferentes".
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