Público - 6 Mar 04

Cérebros, Risco e Objectivos
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

A Europa, como ontem vimos, está a perder muitos dos seus cérebros para os Estados Unidos. Mas não a Europa toda: no Norte do Continente três países - a Finlândia, a Suécia e a Noruega - resistem. Mais: lideram, já que em qualquer deles há mais investigadores por cada mil activos do que nos EUA.

O caso finlandês é o mais impressionante. Entre 1995 e 2001 o seu investimento em investigação científica passou de dois por cento do PIB para quase 3,5 por cento, o dobro da média europeia. Com 16 investigadores por cada mil activos, o pequeno país lidera folgadamente a tabela mundial e, com mais metade destes empregados no sector privado, contraria ainda a regra europeia de uma maior dependência do Estado.

O caso finlandês é de tal modo único que Manuel Castells, o sociólogo catalão da Universidade de Berkeley que melhor estudou as novas realidades da sociedade da informação, dedicou o seu último livro aos seus "segredos". Que passam por uma grande coesão nacional e pela capacidade de construir um consenso em torno de objectivos que permitem que todos remem para o mesmo lado. O número de universidades multiplicou-se (eram três em 1987, são 25 hoje), mas não começou cada uma a fazer o que entendia. A aposta nacional são as novas tecnologias, a grande marca nacional é a Nokia, pelo que em vez de multiplicar os cursos de papel e lápis, multiplicam-se os cursos tecnológicos e as universidades apostam numa ligação íntima ao tecido produtivo e empresarial.

Por outras palavras: a Finlândia não aplicou apenas mais dinheiro na investigação e desenvolvimento e no sistema educativo, também foi capaz de o aplicar bem. Exactamente o contrário do que tem sucedido em Portugal, onde o crescimento do investimento público e privado, mesmo que muito insuficiente, tem tido resultados abaixo do exigível para o dinheiro que se gasta. Importa perceber porquê.

A comparação com a Finlândia dá algumas pistas, sobretudo se notarmos a capacidade que os finlandeses tiveram para definir objectivos que associassem a indústria e a universidade e a alegre irresponsabilidade com que em Portugal se multiplicam os cursos moldados apenas em função dos interesses dos professores e das suas pequenas capelas. A isto chama-se falta de capacidade de definir e prosseguir objectivos.

A obra de Manuel Castells e outro modelo de sucesso - o de Silicon Valley, na Califórnia - dão outras pistas. Uma delas é a ausência de uma cultura de risco. Enquanto por cá se financia o desenvolvimento com base nos subsídios regionais, na Califórnia explora-se a disponibilidade de capital de risco - capital de risco cuja falta é, para Castells, "a grande inferioridade da Europa".

No dossier do "Le Monde" que ontem citámos um bioquímico francês actualmente a trabalhar em Nova Iorque, Claude Desplan, sublinhava outros dois aspectos essenciais para o sucesso das carreiras de investigação: a noção de que o doutoramento não é o fim mas o princípio da carreira e que isso implica que o período de pós-doutoramento continue a ser submetido a avaliação; e a convicção de que "a investigação científica não é uma obra social, antes um sector muito competitivo", o que implica ser capaz de distinguir os melhores com mais meios e melhores salários em lugar de os abandonar à rotina "protegida" de uma carreira medíocre. Ou seja, fazer exactamente o contrário do que fazemos em Portugal.

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