Diário de Notícias - 5 Mar 04

Editorial 
 Hipocrisias

O Governo vai aprovar em breve um novo Código da Estrada. Não se levanta a questão do prazo, inicialmente previsto para o Verão passado, porque está ainda por provar a necessidade de um novo código. O ministro da Administração Interna veio, aliás, adensar essa dúvida ao afirmar que não serão mexidos os limites de velocidade, nem os limites de alcoolemia, disse apenas que serão apertados os conceitos das contra-ordenações graves e muito graves, em simultâneo com o agravamento das coimas, que passarão a oscilar entre um mínimo de 500 e um máximo de 2500 euros.

Pode dizer-se que só com multas e castigos a doer será possível pôr cobro à indisciplina, mas o certo é que brigadas de trânsito visíveis em determinados locais das auto-estradas e brigadas móveis ao longo das mesmas serão, por certo, mais dissuasoras de conduções de risco que agentes dissimulados em locais estratégicos apenas com o intuito da caça à multa. Essa prática pode ajudar o erário público, mas não contribui para uma maior segurança. Não está em causa a necessidade óbvia de fazer respeitar as regras, a questão está mais em saber como se fazem respeitar. Para exigir condutores responsáveis e cumpridores seria bom resolver o problema da qualidade das estradas, dos veículos que nelas circulam e da sinalização.

Resolver-se-á o problema da elevada sinistralidade nas estradas portuguesas apenas com leis ou códigos? É que circular a 140 km/h nas auto-estradas, apesar de proibido, é uma prática comum e aceite, para a qual as estradas e os veículos, em geral, estão preparados. Mas, circular a 50 km/h numa localidade pode, dependendo da via, ser um atraso de vida ou um crime. Em Lisboa, por exemplo, será quase ridículo fazê-lo nas grandes avenidas e criminoso praticá-lo em algumas ruas e vielas dos bairros históricos. E porque, em matéria de segurança rodoviária, muito do que se diz e faz não passa de hipocrisia, é pertinente perguntar quando serão aplicadas penas severas aos condutores que matarem ou estropiarem peões?

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