O Papel do Médico - 12 Mar 03

Documento Serrão: uma primeira leitura

Editorial em 2003/03/09 11:19

Foi divulgado o Livro Branco sobre o uso de embriões em investigação científica escrito a pedido do Ministro da Ciência e Ensino Superior. Destina-se a permitir uma discussão pública que habilite a tão esperada legislação sobre Procriação Medicamente Assistida.

O autor

Daniel Serrão é, seguramente, a pessoa que mais profundamente tem reflectido sobre este tema e quem, entre nós, mais influência terá sobre o desfecho deste “conflito” entre a ética e o progresso. Personalidade de invulgar inteligência, desde há muitos anos representa Portugal em grupos de trabalho internacionais e ficará para sempre ligado à feitura da Convenção de Oviedo – o documento que vários países subscreveram e que já entrou no ordenamento jurídico português em toda a sua plenitude. Impetuoso nas suas afirmações, conservador nas suas convicções e seguro nos seus saberes, o professor jubilado de Anatomia Patológica é reconhecido, pelos seus opositores, como um argumentador forte e imbatível. Tem dedicado grande parte da sua actividade ao estudo e ao ensino da ética médica. Se, do ponto de vista teórico, a sua obra tem méritos incontornáveis, muitos lhe reconhecem alguma distanciação fatal das questões da prática quotidiana, seja ao nível da investigação em seres vivos, seja ao nível da convivência com doentes. A sua honestidade intelectual está demonstrada em múltiplas intervenções públicas e debates.

O texto

O Livro Branco agora divulgado é um trabalho de leitura obrigatória. Depois de uma introdução explicativa da problemática, Daniel Serrão expõe os princípios sobre a natureza do embrião humano balançando entre a sua classificação como “ser humano” e “ente vivo da espécie humana”. Discorre depois sobre as implicações éticas fundamentadas nestas concepções e aponta para a tensão (“que é não só inevitável como saudável”) entre ética individual e éticas sociais em cujo exercício será encontrada a forma adequada de proteger o embrião.

Depois de descrever as qualidades e interesses que várias correntes de pensamento atribuem ao embrião sem projecto parental, elenca os tipos de investigações eticamente aceitáveis para cada nível do seu possível estatuto moral.

Refere-se depois aos pontos de vista dos investigadores e às suas necessidades e opções em vários países, dedicando, em seguida, um capítulo ao problema dos clones (quase-embriões, na realidade ovócitos sem núcleo para onde foi transferido um núcleo de uma célula indiferenciada adulta).

O autor expõe então a necessidade política de fazer opções em Portugal assumindo que nenhuma pode ser considerada boa, seja qual for o estatuto moral que seja reconhecido ao embrião (pessoa humana, ente vivo da espécie humana ou amontoado de células humanas).

Arrumando a questão do “embrião” clonado como algo proibido pela Convenção de Oviedo, o documento termina com um apelo à discussão aberta, esperando que daí resultem decisões legislativas fundamentadas.

O que se segue

Quem se interessa por estas matérias, sejam eticistas teóricos, sejam investigadores do terreno, sejam juristas ou sejam simples mortais, vai naturalmente ler e reler o documento, emitir as suas opiniões e fundamentar as suas opções.

Existe um organismo, infelizmente por agora vazio, que foi criado para se pronunciar sobre estes assuntos. Referimo-nos ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que se espera reanime da sua demasiado longa letargia e que deverá estar preparado para dar opinião sobre as propostas de lei ou projectos de decreto-lei. Estivesse em funcionamento activo e talvez já devesse ter produzido algum texto consensual sobre a matéria.

O consenso desejado é o que deriva da composição do CNECV – os seus membros são indigitados de forma a representarem os mais diversos pontos de vista da sociedade portuguesa, sendo por natureza independentes das entidades que os indicam.

Pela nossa parte, estaremos atentos para comentar o evoluir dos acontecimentos e abrimos as nossas páginas para a publicação de reflexões originais e para a reprodução ou indicação de textos de outras origens.

[para ler o Livro Branco, clique no endereço abaixo mencionado]

 http://www.mces.pt/?id_categoria=43&id_item=553

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