Vamos ser francos: o nosso problema continua a
ser o mesmo
José Manuel Fernandes
Esqueçam o preço do petróleo: Portugal sofre porque
produz, comparativamente, menos riqueza. Para nossa
desgraça, isso até se agravou desde que se iniciou a
era do euro e do BCE
Martin Wolf, provavelmente o mais prestigiado e
influente colunista do Financial Times, escrevia
ontem um interessante artigo sobre os sucessos dos
primeiros dez anos de euro e do Banco Central
Europeu, formalmente constituído a 1 de Junho de
1998. Em muitos pontos convergia com a análise,
optimista, que hoje publicamos e que é da
responsabilidade de Joaquín Almunia, comissário dos
Assuntos Económicos e Monetários da União Europeia.
Mas alertava para algumas nuvens negras no
horizonte. Apesar de o euro se ter revelado uma
moeda forte - de acordo com a JPMorgan, valerá mais
contra o dólar que o compósito das suas moedas
valeria há quase 40 anos, situação inédita - e de
referência - há autores americanos que prevêem que o
euro possa ultrapassar o dólar como moeda de
referência nas trocas internacionais num prazo de
dez anos -, a verdade é que o crescimento na zona
euro nestes dez primeiros anos foi inferior ao dos
Estados Unidos e ao de alguns dos países que optaram
por ficar de fora, como o Reino Unido e a Dinamarca.
Acontece, porém, que o euro não impediu evoluções
diferenciadas da competitividade entre as várias
regiões e países da Europa, diferentes níveis de
endividamento e alguma perda de capacidade para
enfrentar, nos mercados globais, as novas potências
emergentes.
Contudo, aquilo que saltava mais à vista quando
olhávamos para os gráficos que acompanhavam o artigo
de Martin Wolf era o facto de Portugal ser um dos
países que pior ficavam na fotografia.
Concretizando: o ano passado o défice com o exterior
representou cerca de nove por cento do PIB, o que
significa mais do triplo do défice das contas
públicas. Isto indica que consumimos mais do que
produzimos e acabámos o ano mais endividados ao
exterior. Só a Espanha e a Grécia apresentaram
piores resultados neste indicador.
Mas o mais preocupante, e o que motiva esta
reflexão, é ter-se verificado em Portugal uma
variação positiva do custo do trabalho de 10 por
cento entre 1999 e 2007. Só na Irlanda a subida foi
mais elevada, sendo que no mesmo período a Alemanha
conseguiu reduzir o custo unitário do trabalho em
cerca de 12 por cento.
O que é que isto significa? Que Portugal perdeu
produtividade, logo, tornou-se um país menos
atractivo para o investimento, nacional ou
estrangeiro. Ora como a opção não se encontra, ao
contrário do que anteontem escreveu Mário Soares,
entre "fortalecer mais o Estado" ou "entregar a
riqueza aos privados", mas sim entre conseguir ou
não produzir riqueza que possa ser redistribuída,
esta evolução é dramática não apenas para o "Estado"
como, sobretudo, para os cidadãos.
Mergulhando mais a fundo no relatório "Meu@10" (http://ec.europa.eu/economy_finance),
verificamos que são muitos e variados os pontos em
que Portugal, nestes dez anos com euro e Banco
Central Europeu, perdeu terreno. Alguns exemplos,
quase ao acaso:
- o relatório considera que Portugal é o melhor
exemplo de como a rigidez estrutural da economia se
pode mostrar incapaz de responder aos estímulos
criados por taxas de juro mais baixas, passando de
um processo de convergência para um de divergência;
- a razão para entre os quatro países da
convergência (Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda)
termos sido o único a ter um comportamento negativo
deveu-se aos gastos excessivos do Estado e ao
aumento da carga fiscal;
- só a Itália se portou pior que Portugal ao
divergir ainda mais fortemente do que nós da média
de crescimento da zona euro, tendo a má gestão
orçamental ao longo deste período feito diminuir a
competitividade destas duas economias;
- só Portugal e a França viram o peso da despesa do
Estado na economia aumentar, sendo que em Portugal
isso representou uma inversão da tendência
verificada entre 1992 e 1998;
- entre os países da convergência fomos o único onde
o potencial de crescimento da economia caiu entre
1999 e 2007, bastando pensar que entre 1989 e 1998
mantivemos o segundo maior potencial de crescimento
dos países da zona euro, só ultrapassados pela
Irlanda, e agora temos o pior potencial de
crescimento, pois este caiu entre estes dois
períodos de 3,1 para 1,9 por cento.
- etc., etc.
Tudo isto são apenas alguns exemplos de como o nosso
principal problema continua a ser o que se discutia
no século XIX e em quase todo o século XX:
produzimos pouco, criamos proporcionalmente menos
riqueza que os outros países, delapidámos o muito
dinheiro que nos chegou nestes anos em investimentos
que não contribuíram para que a nossa indústria e os
nossos serviços (para não falar da nossa
agricultura) se tornassem mais eficientes, logo mais
capazes de competir nos mercados mundiais.
Tudo isso se agravou na última década quando
comparamos com a década anterior. Tudo isso já não
se resolve apenas com a "ajuda" da Europa ou a
boleia do euro, sem o qual tudo teria sido ainda bem
pior.
Pior: se o euro se desvalorizar face ao dólar
tornando mais competitivas as nossas exportações,
então o preço em euros do petróleo, de que somos
mais dependentes que a maioria dos nossos parceiros,
disparará, fazendo subir os custos de produção e
empobrecendo as famílias.
Portugal, sem milagres externos, é uma quadratura do
círculo, isto é, um problema insolúvel. Ora se, como
dizia John Maynard Keynes, "são as ideias, não os
interesses instalados, que são perigosos para
escolher entre o bom e o mau caminho", o sucesso do
artigo do antigo Presidente da República apenas
mostra como algumas ideias erradas continuam a pesar
sobre o nosso país.