Público - 29 Mai 08

 

Vamos ser francos: o nosso problema continua a ser o mesmo
José Manuel Fernandes

 

Esqueçam o preço do petróleo: Portugal sofre porque produz, comparativamente, menos riqueza. Para nossa desgraça, isso até se agravou desde que se iniciou a era do euro e do BCE

 

Martin Wolf, provavelmente o mais prestigiado e influente colunista do Financial Times, escrevia ontem um interessante artigo sobre os sucessos dos primeiros dez anos de euro e do Banco Central Europeu, formalmente constituído a 1 de Junho de 1998. Em muitos pontos convergia com a análise, optimista, que hoje publicamos e que é da responsabilidade de Joaquín Almunia, comissário dos Assuntos Económicos e Monetários da União Europeia. Mas alertava para algumas nuvens negras no horizonte. Apesar de o euro se ter revelado uma moeda forte - de acordo com a JPMorgan, valerá mais contra o dólar que o compósito das suas moedas valeria há quase 40 anos, situação inédita - e de referência - há autores americanos que prevêem que o euro possa ultrapassar o dólar como moeda de referência nas trocas internacionais num prazo de dez anos -, a verdade é que o crescimento na zona euro nestes dez primeiros anos foi inferior ao dos Estados Unidos e ao de alguns dos países que optaram por ficar de fora, como o Reino Unido e a Dinamarca.
Acontece, porém, que o euro não impediu evoluções diferenciadas da competitividade entre as várias regiões e países da Europa, diferentes níveis de endividamento e alguma perda de capacidade para enfrentar, nos mercados globais, as novas potências emergentes.

 

Contudo, aquilo que saltava mais à vista quando olhávamos para os gráficos que acompanhavam o artigo de Martin Wolf era o facto de Portugal ser um dos países que pior ficavam na fotografia. Concretizando: o ano passado o défice com o exterior representou cerca de nove por cento do PIB, o que significa mais do triplo do défice das contas públicas. Isto indica que consumimos mais do que produzimos e acabámos o ano mais endividados ao exterior. Só a Espanha e a Grécia apresentaram piores resultados neste indicador.

 

Mas o mais preocupante, e o que motiva esta reflexão, é ter-se verificado em Portugal uma variação positiva do custo do trabalho de 10 por cento entre 1999 e 2007. Só na Irlanda a subida foi mais elevada, sendo que no mesmo período a Alemanha conseguiu reduzir o custo unitário do trabalho em cerca de 12 por cento.

 

O que é que isto significa? Que Portugal perdeu produtividade, logo, tornou-se um país menos atractivo para o investimento, nacional ou estrangeiro. Ora como a opção não se encontra, ao contrário do que anteontem escreveu Mário Soares, entre "fortalecer mais o Estado" ou "entregar a riqueza aos privados", mas sim entre conseguir ou não produzir riqueza que possa ser redistribuída, esta evolução é dramática não apenas para o "Estado" como, sobretudo, para os cidadãos.

 

Mergulhando mais a fundo no relatório "Meu@10" (http://ec.europa.eu/economy_finance), verificamos que são muitos e variados os pontos em que Portugal, nestes dez anos com euro e Banco Central Europeu, perdeu terreno. Alguns exemplos, quase ao acaso:

 

- o relatório considera que Portugal é o melhor exemplo de como a rigidez estrutural da economia se pode mostrar incapaz de responder aos estímulos criados por taxas de juro mais baixas, passando de um processo de convergência para um de divergência;

 

- a razão para entre os quatro países da convergência (Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda) termos sido o único a ter um comportamento negativo deveu-se aos gastos excessivos do Estado e ao aumento da carga fiscal;

 

- só a Itália se portou pior que Portugal ao divergir ainda mais fortemente do que nós da média de crescimento da zona euro, tendo a má gestão orçamental ao longo deste período feito diminuir a competitividade destas duas economias;

 

- só Portugal e a França viram o peso da despesa do Estado na economia aumentar, sendo que em Portugal isso representou uma inversão da tendência verificada entre 1992 e 1998;

 

- entre os países da convergência fomos o único onde o potencial de crescimento da economia caiu entre 1999 e 2007, bastando pensar que entre 1989 e 1998 mantivemos o segundo maior potencial de crescimento dos países da zona euro, só ultrapassados pela Irlanda, e agora temos o pior potencial de crescimento, pois este caiu entre estes dois períodos de 3,1 para 1,9 por cento.

 

- etc., etc.

 

Tudo isto são apenas alguns exemplos de como o nosso principal problema continua a ser o que se discutia no século XIX e em quase todo o século XX: produzimos pouco, criamos proporcionalmente menos riqueza que os outros países, delapidámos o muito dinheiro que nos chegou nestes anos em investimentos que não contribuíram para que a nossa indústria e os nossos serviços (para não falar da nossa agricultura) se tornassem mais eficientes, logo mais capazes de competir nos mercados mundiais.

 

Tudo isso se agravou na última década quando comparamos com a década anterior. Tudo isso já não se resolve apenas com a "ajuda" da Europa ou a boleia do euro, sem o qual tudo teria sido ainda bem pior.

 

Pior: se o euro se desvalorizar face ao dólar tornando mais competitivas as nossas exportações, então o preço em euros do petróleo, de que somos mais dependentes que a maioria dos nossos parceiros, disparará, fazendo subir os custos de produção e empobrecendo as famílias.

 

Portugal, sem milagres externos, é uma quadratura do círculo, isto é, um problema insolúvel. Ora se, como dizia John Maynard Keynes, "são as ideias, não os interesses instalados, que são perigosos para escolher entre o bom e o mau caminho", o sucesso do artigo do antigo Presidente da República apenas mostra como algumas ideias erradas continuam a pesar sobre o nosso país.