CNE recomenda mais apoios para a educação das
crianças Isabel Leiria
Estudo do Conselho Nacional de Educação alerta para
a insuficiência de creches e pede políticas que
permitam às mães ficar mais em casa
É "insuficiente" a ajuda que o Estado dá às famílias
na educação dos 0 aos 3 anos, recomendando-se por
isso o alargamento dos apoios destinados às crianças
nesta faixa etária. A taxa de cobertura da rede
formal de cuidados à 1.ª infância ainda está nos 20
por cento e é difícil que a meta definida pelo
Governo de ter uma em cada três crianças abrangidas,
até 2010, venha a ser cumprida, alerta-se num
relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE).
stério da Educação apresenta e discute hoje o
relatório A Educação das crianças dos 0 aos 12 anos,
onde se faz uma análise da oferta educativa do
Estado para estas idades e se apontam algumas das
fragilidades da organização do sistema de ensino.
Começando pelos primeiros anos de vida, os autores
do estudo lembram que a evolução da sociedade, com o
envolvimento dos pais numa profissão, o valor cada
vez maior atribuído à carreira, o aumento das
famílias monoparentais e a diluição da família
alargada, por exemplo, fazem com que as creches
surjam como uma "necessidade imperiosa de apoio".
E assumem uma importância acrescida em termos de
"coesão social e vivência democrática", num país
onde a taxa de pobreza infantil se situam na ordem
dos 23 por cento, o desemprego atinge muitas
famílias e a imigração "precisa de acolhimento e
integração", lê-se nas considerações finais do
estudo, redigidas por Isabel Alarcão, investigadora
e doutorada em Educação.
"As famílias são e devem continuar a ser as
primeiras responsáveis pela educação das crianças.
Mas as condições de vida das famílias na actualidade
requerem apoios, desde a 1.ª infância, que têm de
ser pensados numa lógica de complementaridade e não
de substituição", defendem os autores do estudo.
É que, reforçam, se a lei que rege o sistema
educativo (aprovada em 1986) partiu do princípio que
é às famílias que compete a socialização primária e
a educação das crianças - a escolaridade obrigatória
inicia-se aos 6 anos, sendo a frequência do
pré-escolar facultativa -, o facto é que este
entendimento "não tem sido acompanhado de políticas
familiares e de trabalho consoantes com este
ideário".
Reconhece-se que tem sido feito um esforço no
aumento de creches, infantários e amas, mas o seu
número é tido como "insuficiente". Além disso,
critica-se o facto de o seu funcionamento ser muitas
vezes direccionado para a prestação de serviços de
apoio à família em termos de protecção social, "com
a desvalorização do papel educativo". Uma outra
alternativa seria o desenvolvimento de modalidades
de apoio promovidas pelas comunidades locais e
políticas que "possibilitem à mãe uma maior
permanência em casa".
A oferta de pré-escolar (dos 3 aos 6 anos) é também
considerada "incompleta", com os jardins de infância
públicos a dar resposta a apenas 52 por cento dos
meninos actualmente inscritos.
Sem tempo para brincar
Mas se as famílias precisam de apoio, os autores do
estudo rejeitam um modelo em que as instituições se
substituem por completo, como resposta aos "perigos
de uma sociedade cada vez mais atentória da sua
fragilidade". "As crianças passaram a estar
institucionalizadas, dispendendo muito tempo nas
instituições, nos mesmos espaços, o que implica um
domínio, pelos adultos, do espaço e do tempo que
lhes é próprio, propiciador de brincadeiras de
criatividade e regulação autónomas", critica-se no
relatório, que conclui que se "passou do vazio ao
exagero, sendo necessário harmonizar o tempo do
currículo, do lazer e da família".
As crianças "desfrutam pouco da riqueza da vida nas
comunidades e contactam predominantemente com o
elemento feminino, vendo-se assim privadas do
equilíbrio entre a quietude normalmente transmitida
pelo elemento feminino e a ousadia culturalmente
referenciada ao elemento masculino", alertou o
pediatra Mário Cordeiro, num workshop relacionado
com este tema e citado no relatório.
Neste contexto, a pressão passou a recair sobre as
instituições, com a sociedade a esperar "da escola o
que a escola não está preparada para lhes oferecer
ou, quiçá, não deve até esperar que ofereça", lê-se
no estudo.