Afinal a crise económica existe mesmo
Paulo Ferreira
O Governo contava com uma economia em constante
aceleração até ao ano eleitoral de 2009.
Mas não vai ser assim
OFundo Monetário
Internacional já tinha dito, a Comissão Europeia já
tinha dito e o Banco de Portugal já tinha anunciado
que vai dizer: a economia portuguesa está a
desacelerar e as previsões efectuadas no ano passado
estão ultrapassadas por serem optimistas.
Quem preferiu ficar fora deste quadro de bom senso e
realismo foi o Governo português, que, teimosamente,
manteve a previsão de crescimento do produto de 2,2
por cento para este ano.
Esta fantasia oficial acabou apenas duas semanas
depois de José Sócrates ter afirmado que não tinha
"nenhum motivo para alterar as previsões". Afinal
tinha. Os números apresentados ontem, como exercício
que não pode deixar de ser sério, demoraram mais de
quinze dias a serem preparados.
O pretexto para anunciar a revisão das previsões
oficiais de crescimento - que passam de 2,2 por
cento do PIB para 1,5 por cento este ano e de 2,8
por cento para 2,0 por cento em 2009, descidas de
invulgar amplitude - esteve nos dados divulgados
ontem pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o
andamento da produção portuguesa no primeiro
trimestre do ano. A primeira estimativa aponta para
uma queda de 0,2 por cento do PIB face ao último
trimestre do ano passado, quando as previsões médias
de analistas independentes apontavam para uma subida
de 0,4 por cento.
Independentemente de se
confirmar daqui a três meses que Portugal está em
recessão - que acontece quando uma economia cai em
dois trimestres consecutivos -, estes dados revelam
que o abrandamento vai ser maior do que o esperado,
desconhecendo-se quando estará curada a anemia.
Quando se cortam de uma só vez 0,7 pontos no
crescimento, deixamos de estar no campo das
discussões estéreis e de impacto marginal, como
acontece quando o que está em jogo é saber se a
economia cresce, afinal, uma décima acima ou abaixo.
Estamos a falar de uma redução de um terço do
crescimento previsto, o que terá reflexos
importantes na actividade das empresas e,
consequentemente, na vida dos trabalhadores.
A revisão em baixa ocorre
sobretudo nas exportações e no investimento e nas
exportações. Menos vendas das empresas ao exterior
significam um abrandamento da actividade e, como
consequência, o congelamento de projectos de aumento
da capacidade produtiva. Isto tem um resultado
incontornável: menos emprego criado, mais emprego
destruído e, certamente, maior contenção salarial, o
que faz duvidar da manutenção de uma previsão de
crescimento do consumo das famílias.
Ao nível político, o cenário económico que temos
agora em cima da mesa é uma forte contrariedade para
o Governo. Seria para qualquer Executivo, como é
óbvio. Mas para José Sócrates este é um revés
particularmente duro, porque é claro desde o início
da legislatura que o Governo contava com uma
economia em constante aceleração até ao ano
eleitoral de 2009.
É o próprio programa do Governo que fala de um
crescimento económico de 3,0 por cento no final da
legislatura, meta depois confirmada nos primeiros
Programas de Estabilidade e Crescimento (o documento
entregue anualmente em Bruxelas com as previsões de
médio prazo de cada Estado-membro) da legislatura.
Serem, afinal, 2,0 por cento em vez desses 3,0 por
cento é toda uma diferença, com impacto substancial
nos bolsos dos consumidores, no desemprego, na
confiança e nas expectativas dos agentes económicos.
Para os eleitores, estes são factores muito mais
decisivos do que a redução do défice público, por
mais ingrato que isso seja para o Governo. E não
adianta atribuir a responsabilidade das más notícias
ao que se passa lá fora. A racionalidade do voto com
a carteira é pouco dada à procura do epicentro da
crise económica.