Público - 16 Mai 08

 

Afinal a crise económica existe mesmo
Paulo Ferreira

 

O Governo contava com uma economia em constante aceleração até ao ano eleitoral de 2009.

 

Mas não vai ser assim

 

O Fundo Monetário Internacional já tinha dito, a Comissão Europeia já tinha dito e o Banco de Portugal já tinha anunciado que vai dizer: a economia portuguesa está a desacelerar e as previsões efectuadas no ano passado estão ultrapassadas por serem optimistas.

 

Quem preferiu ficar fora deste quadro de bom senso e realismo foi o Governo português, que, teimosamente, manteve a previsão de crescimento do produto de 2,2 por cento para este ano.

 

Esta fantasia oficial acabou apenas duas semanas depois de José Sócrates ter afirmado que não tinha "nenhum motivo para alterar as previsões". Afinal tinha. Os números apresentados ontem, como exercício que não pode deixar de ser sério, demoraram mais de quinze dias a serem preparados.

 

O pretexto para anunciar a revisão das previsões oficiais de crescimento - que passam de 2,2 por cento do PIB para 1,5 por cento este ano e de 2,8 por cento para 2,0 por cento em 2009, descidas de invulgar amplitude - esteve nos dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o andamento da produção portuguesa no primeiro trimestre do ano. A primeira estimativa aponta para uma queda de 0,2 por cento do PIB face ao último trimestre do ano passado, quando as previsões médias de analistas independentes apontavam para uma subida de 0,4 por cento.

 

Independentemente de se confirmar daqui a três meses que Portugal está em recessão - que acontece quando uma economia cai em dois trimestres consecutivos -, estes dados revelam que o abrandamento vai ser maior do que o esperado, desconhecendo-se quando estará curada a anemia.

 

Quando se cortam de uma só vez 0,7 pontos no crescimento, deixamos de estar no campo das discussões estéreis e de impacto marginal, como acontece quando o que está em jogo é saber se a economia cresce, afinal, uma décima acima ou abaixo.

 

Estamos a falar de uma redução de um terço do crescimento previsto, o que terá reflexos importantes na actividade das empresas e, consequentemente, na vida dos trabalhadores.

 

A revisão em baixa ocorre sobretudo nas exportações e no investimento e nas exportações. Menos vendas das empresas ao exterior significam um abrandamento da actividade e, como consequência, o congelamento de projectos de aumento da capacidade produtiva. Isto tem um resultado incontornável: menos emprego criado, mais emprego destruído e, certamente, maior contenção salarial, o que faz duvidar da manutenção de uma previsão de crescimento do consumo das famílias.

 

Ao nível político, o cenário económico que temos agora em cima da mesa é uma forte contrariedade para o Governo. Seria para qualquer Executivo, como é óbvio. Mas para José Sócrates este é um revés particularmente duro, porque é claro desde o início da legislatura que o Governo contava com uma economia em constante aceleração até ao ano eleitoral de 2009.

 

É o próprio programa do Governo que fala de um crescimento económico de 3,0 por cento no final da legislatura, meta depois confirmada nos primeiros Programas de Estabilidade e Crescimento (o documento entregue anualmente em Bruxelas com as previsões de médio prazo de cada Estado-membro) da legislatura.

 

Serem, afinal, 2,0 por cento em vez desses 3,0 por cento é toda uma diferença, com impacto substancial nos bolsos dos consumidores, no desemprego, na confiança e nas expectativas dos agentes económicos. Para os eleitores, estes são factores muito mais decisivos do que a redução do défice público, por mais ingrato que isso seja para o Governo. E não adianta atribuir a responsabilidade das más notícias ao que se passa lá fora. A racionalidade do voto com a carteira é pouco dada à procura do epicentro da crise económica.