Beber vinho é pior do que injectar heroína? José Manuel Fernandes
Ao misturar o combate ao alcoolismo e ao tabagismo
com o combate ao consumo de drogas, um site infanto-
-juvenil do IDT envia uma mensagem errada aos mais
novos
1. Quem consultar o site infanto-juvenil do IDT,
entidade responsável pela prevenção do consumo de
drogas, pode descobrir, a certa altura, um gráfico
interactivo sobre o efeito que as drogas exercem no
cérebro. Vale a pela citar três extractos.
Sobre a heroína: "Os opiáceos são potentes drogas
que se usam como narcóticos. Os opiáceos incluem
compostos como o ópio, a heroína, a morfina e a
codeína. Os efeitos mais significativos do consumo
de heroína são prazer, alívio da dor e supressão da
respiração."
Sobre a cocaína: "A cocaína (coca) tem um efeito
energético no corpo e na mente. Uma libertação
intensa do neurotransmissor dopamina é a base dos
efeitos produzidos pela cocaína. A dopamina ajuda a
transmitir informação entre neurónios ou células
nervosas."
Sobre o álcool: "O álcool produz sensações de calma
e relaxamento, mas também interfere com a tua
memória. Afecta as tuas funções motoras, a tua
respiração, o teu tempo de resposta, e também a
regulação da temperatura (o teu termóstato natural)
e o teu apetite."
Numa outra página do mesmo site, baptizado
www.tu-alinhas.pt, um quadro sintetiza o tipo de
dependência que as diferentes drogas podem causar. O
álcool, de acordo com esse quadro, causa dependência
física e psiquíca, a cannabis apenas dependência
psíquica, a cocaína não causa dependência física e o
LSD causa uma "baixa" dependência psíquica e não
causa dependência física.
Não duvidando de que o consumo excessivo de álcool
pode realmente causar uma dependência física e/ou
psíquica, e que o alcoolismo até poderá ser, em
Portugal, um problema de saúde pública mais grave do
que os suscitados pelo consumo de drogas, a mensagem
que aquele organismo público está a passar é errada.
Sobretudo, porque se destina a crianças e
adolescentes, que, habituados a verem os seus
familiares mais velhos consumirem vinho e outras
bebidas alcoólicas sem que isso, na esmagadora
maioria das situações, os afecte ou atire para a
marginalidade, nunca compreenderão por que motivos
não devem consumir cocaína ou heroína. Na verdade,
se o álcool tem sobretudo efeitos negativos sobre o
cérebro, ao contrário da cocaína e da heroína, se o
risco de dependência do álcool é mais elevado do que
o de LSD, como podem as famílias e os educadores
convencê-los de que não devem "alinhar" nos convites
que lhes fazem para experimentarem drogas?
Ao colocar no mesmo plano, como sucede em muitas
páginas deste site, o álcool ou o tabaco e a
heroína, os cogumelos "mágicos" ou as anfetaminas,
os responsáveis do IDT enviam uma mensagem errada,
pois tornam "normal" o consumo dessas drogas, tão
normal como é normal, em Portugal, consumir álcool
ou fumar.
Repito: não está em causa a ciência, está em causa a
equivalência moral entre comportamentos que a
sociedade aceita e integra e comportamentos que a
sociedade considera ilegais, mesmo não sendo já
considerados criminosos.
Mais: talvez o IDT deva agora explicar aos pais o
que devem responder a um filho quando se servem de
vinho a uma refeição e este lhes pergunta se, em
alternativa, não pode snifar uma linha de cocaína.
Afinal, não explica o tu-alinhas que a coca tem um
"efeito energético" e o vinho "afecta as funções
motoras"?