O TGV é o mais exuberante exemplo de um investimento
conceptualmente virtuoso que pode resultar num
desastre nacional
É raro o mês em que não nos anunciam novas obras
faraónicas. Com raras excepções, dizem respeito a
Lisboa, que é uma preocupação irresistível para este
Governo. A capital, transformada num inabitável
estaleiro permanente, é vista como a sua "obra de
regime". Fará sentido tanto e tão concentrado
investimento público, com a economia estagnada e os
juros em alta? Até os keynesianos, que defendem
políticas anticíclicas, reconhecerão que esse
investimento deverá ser, pelo menos, criterioso. No
caso das infra-estruturas, devem obedecer a uma
estratégia integrada que seleccione prioridades e a
alocação racional de recursos escassos, tanto mais
que a utilização dos fundos europeus, uma fonte que
está a secar, não se reveste de gratuitidade, pois,
para além dos custos de operação, gera um custo de
oportunidade.
Ora, no caso de algumas dessas obras, há sintomas de
que se estão a repetir os vícios que foram evitados
à justa, no caso da Ota, e que ainda assim, e apesar
disso, persistem na decisão tomada sobre o
aeroporto. Mas o caso do TGV é o mais exuberante
exemplo de um investimento conceptualmente virtuoso
que pode resultar num desastre nacional, se for mal
avaliado e executado.
Fico aterrado quando ouço justificar a prioridade da
Linha Lisboa-Madrid por não podermos ficar fora
dessa moda das outras capitais europeias, um
novo-riquismo que, além do mais, contrasta com a
nossa realidade. Preferia que demonstrassem, através
de projecções credíveis, que esta vai gerar procura
suficiente e que pode competir com as low cost, cujo
crescimento exponencial foi invocado como argumento
para justificar a construção de um mega-aeroporto.
Fico aflito com o avanço da ligação do Porto à
Galiza, utilizando a Linha de Braga e unindo esta
cidade à fronteira por um novo e caríssimo canal,
porque os únicos pólos que poderão gerar a procura
que hoje não existe (e que de outra forma nunca
existirá), são o Aeroporto Sá Carneiro e o Porto de
Leixões, que não serão escalados na primeira fase.
Não sei, confesso, se precisamos de túneis em
Alcântara, de uma nova gare do Oriente, de
investimentos em Santa Apolónia. Não tenho, sequer,
opinião sobre a nova travessia, apesar de me fazer
espécie que a Ponte Vasco da Gama esteja às moscas.
O que o senso comum me diz é que a Linha do Norte é
prioritária. Precisaremos de uma nova linha de alta
velocidade em canal paralelo? Também não sei, mas
gostaria de ter a certeza que não é possível, ou não
vale a pena, retomar e concluir rapidamente a
modernização da que já existe.
Desconfio da acção furtiva de técnicos e
responsáveis, que se escudam na sua
pseudo-superioridade. Aliás, a Entidade Reguladora
para a Comunicação Social acaba de considerar
justificada a denúncia, feita por um jornalista
deste jornal sobre a Refer, por esta "esconder o
jogo". É essa gente do lobby ferroviário, que nos
atolou na trágica modernização da Linha do Norte,
quem continua a cercear o raciocínio e a encantar os
nossos bem-intencionados governantes. Para estes,
quaisquer obras são um sinónimo de progresso. O
problema é que já sabemos que também têm custos e
podem ser um insustentável desperdício. Presidente
da Associação Comercial do Porto