Não reprovemos os alunos, diz a OCDE
Carmo Gago da Silva, professora,Setúbal
A propósito do artigo de primeira página no PÚBLICO
de 30 de Abril, deixem-me contar-vos uma pequena
história verídica: sou professora de Inglês numa
escola secundária. Há tempos, um aluno de 10.º ano,
nível 6 da língua inglesa, procurava
desesperadamente no dicionário, palavra a palavra,
durante um teste, tudo o que não sabia. Vendo que
estava a perder muito tempo, abeirei-me dele e
pedi-lhe que me dissesse o que procurava porque
estava a perder muito tempo. Procurava a palavra
"mas"! Fiquei perplexa e respondi-lhe: "Então não é
but?" Agradeceu-me e, mal eu virei as costas,
chamou-me e disse-me: "Já agora, professora, podia
dizer-me como se diz "o". E eu: "o" de o, a, os,
as?" Sim, foi a resposta!
Não estou a brincar, juro. Acontece que este aluno
NUNCA tinha tido uma única nota positiva a Inglês
desde o 5.º ano de escolaridade. Chamei a mãe que,
ingenuamente, me confirmou que, como ele, "não dava
para o Inglês", já lhe tinha dito que estudasse as
outras disciplinas e deixasse aquela de lado.
Na mesma turma, de 27 alunos, havia excelentes
alunos na disciplina, outros que tinham explicação,
outros que andavam no Instituto de Línguas há anos,
etc. Como é que no fim do ano, por mais esforços que
o professor faça, se passa um aluno destes que nem
sequer compreende uma palavra do que eu digo nas
aulas? No secundário, como é sabido, as disciplinas
são de passagem obrigatória, uma a uma.
E falam da Finlândia! O primeiro-ministro esteve na
Finlândia a ver as escolas e veio de lá encantado.
Eu conheço bem o sistema finlandês e por isso me
pergunto: será que não reparou que, dentro da sala
de aula, há outro professor só para ajudar estes
alunos e não fazer os outros perderem tempo de
aprendizagem? Será que a OCDE sabe que as famosas
aulas de apoio em Portugal são facultativas ao nível
do secundário? Será que a OCDE sabe que as aulas de
apoio em Portugal não são "tempos lectivos" no novo
Estatuto da Carreira Docente, ou seja, "ensina-se"
mas não se está a "leccionar"? Será que os pais dos
outros países estudados pela OCDE dizem aos filhos
para deixarem uma ou duas ou três disciplinas de
lado porque "não dão para aquilo"?
Não brinquem com o ensino e com os professores, se
faz favor. Venham, incógnitos, disfarçados,
escondidos ou às claras, ver o que se passa nas
nossas escolas. Por favor, não se deixem enganar por
aqueles que julgam que, por decreto, boa vontade,
caridade cristã, se passam alunos que nunca
perceberam o que significa estudar.
O Presidente da República espanta-se com a
ignorância dos jovens em termos políticos e cívicos;
aos professores já nada os espanta. Nem mesmo quando
um jovem, com cinco anos completos de estudo de
Inglês, não sabe dizer but!
E, já agora, aproveito para acrescentar: se as notas
dos nossos alunos contam para a nossa avaliação, e
uma vez que o Inglês nem sequer tem exame nacional,
não irá acontecer que os piores professores de entre
toda a classe não começarão a passar os alunos que
não sabem dizer but e terão uma excelente avaliação,
e os melhores, os que ainda sabem o que estão a
fazer, serão sacrificados pelos seus princípios
deontológicos?