Público - 04 Mai 08

 

"Sou cozinheira, enfermeira, motorista..."
Natália Faria

 

Marta Gomes, de 37 anos, é mãe a tempo inteiro há 12. Não se arrepende: "Pelo contrário, sinto-me privilegiada"

 

Não recebe um salário, mas tem horários rígidos para cumprir. "Levanto-me todos os dias às 8h00. Faço o pequeno-almoço para a família e visto os meus filhos para a escola. Ao meio-dia vou buscar a minha filha para almoçar, levo-a de volta à escola e preparo o almoço para mim e para o meu marido." Marta Gomes, de 37 anos, casada e mãe de dois filhos, é uma das mulheres portuguesas que não exercem nenhuma profissão no exterior. Mas trabalha. E muito. "À tarde, vou buscar os filhos à escola, ajudo-os nos trabalhos de casa, preparo o jantar e, no meio, tenho que fazer a lida de casa."

 

A opção deu-se há 12 anos, com o nascimento do primeiro filho. "O André prendeu-me mais em casa devido a problemas com alergias e ao facto de ter Asperger [síndrome do espectro autista que pode acarretar dificuldades de interacção social, interpretação muito literal da linguagem e dificuldade com mudanças, entre outros aspectos]. Era preciso acompanhá-lo muito de perto, levá-lo ao psicólogo...".

 

Na altura, Marta trabalhava numa empresa de leasing. A decisão de se tornar mãe a tempo inteiro pareceu a solução mais natural. E a mais económica também. Sobretudo quando, seis anos depois, nasceu a Joana. "A conclusão a que eu e o meu marido chegámos foi que ficava muito mais barato. Não compensava eu ir ganhar um salário de 500 euros com o dinheiro que ia gastar em transportes, almoços, empregada...".

 

As vantagens vão muito para além do aspecto económico. "Consegui dar de mamar aos meus filhos durante um ano e meio. O André só foi para o infantário aos seis anos e a Joana já tinha quatro." Nos anos que se seguiram, Marta Gomes conseguiu acompanhar com pormenor o desempenho escolar de cada um. "Ajudo-os a fazer os trabalhos de casa, e também sou cozinheira, enfermeira, motorista...".

 

Nada arrependida da sua decisão, Marta Gomes sabe que o facto de pertencer à escassa percentagem de mulheres portuguesas que deixaram a profissão para cuidar dos filhos pode causar estranheza. "Até machista já chamaram ao meu marido." Mas, 12 anos depois, já se habituou a encolher os ombros perante aqueles que encaram como menor a profissão de mãe a tempo inteiro. "Há pessoas que estão sempre a dizer que eu devia ir trabalhar, distrair-me. É verdade que falo com poucas pessoas durante o dia, mas tenho uma vida muito ocupada que me permite, além disso, ir ao ginásio, pintar, fazer montagem de vídeos...", conta, garantindo que o facto de não ter salário não lhe tolhe os passos. "Temos uma conta bancária conjunta, eu faço as despesas que preciso e o meu marido nem quer ouvir falar disso." Ou sequer a faz sentir-se amputada. "Pelo contrário, sinto-me privilegiada e acho que os meus filhos também são."