Ser mãe a tempo inteiro é cada vez mais uma
profissão adiada em Portugal Natália Faria
Em Espanha, mais de 33 mil mulheres deixaram de
trabalhar em 2007 para cuidar dos filhos.
Em Portugal serão poucas, por razões financeiras e
de autonomia, dizem os especialistas
As mulheres portuguesas que optam por ser mães vão
ter a vida mais facilitada no tocante às tarefas
domésticas e à conciliação da família com o
trabalho. A revisão do Código do Trabalho, que está
ainda em negociação com os parceiros sociais, propõe
novos incentivos à presença do pai em casa nos meses
a seguir ao parto e a possibilidade de alargamento
da licença parental até aos 12 meses, desde que
partilhada pelos cônjuges. Mas isso poderá não
chegar para alterar o actual estado de coisas - em
Portugal, serão muito poucas as mulheres que deixam
de trabalhar para cuidar dos filhos.
"É um grande impulso e um momento de progressão ao
nível da igualdade de oportunidades entre pais e
mães", congratula-se Glória Rebelo, professora
universitária e investigadora, para quem estas
medidas ajudam a mitigar as dificuldades de um país
que apresenta das maiores taxas de emprego feminino
e uma taxa de natalidade de apenas 1,4 crianças por
mulher, ou seja, insuficiente para assegurar a
substituição das gerações.
Mais tempo para os filhos Se as novas regras forem aprovadas, a partir de
1 de Janeiro de 2009 continuará a ser possível uma
licença de quatro meses paga a 100 por cento do
salário bruto ou de cinco meses paga a 80 por cento,
se for gozada pela mãe ou se o pai gozar menos de um
mês. A novidade é que passa a haver a possibilidade
de cinco meses de licença com remuneração a 100 por
cento ou então de seis meses com 83 por cento da
remuneração. Mas isto apenas se pelo menos um dos
meses for gozado de forma exclusiva por um dos
progenitores. Estes passam ainda a poder alongar a
licença por mais três meses cada um, mas com uma
prestação equivalente a apenas 25 por centro do
salário bruto e desde que seja logo após a licença
de parentalidade inicial. Na prática, passará a ser
possível ficar em casa 12 meses, embora com redução
da prestação.
Outra das novidades é o aumento de cinco para dez
dias úteis da licença a gozar obrigatoriamente pelo
pai a seguir ao parto. Os pais poderão ainda
usufruir de mais dez dias opcionais, pagos a 100 por
cento, em simultâneo com a mãe. "É um incentivo que
o Governo quer dar para uma licença que era muito
pouco gozada até aqui", louva Glória Rebelo,
recordando os dados resultantes de um inquérito que
fez em 2007 para a UGT e que mostram que, em 2006,
apenas 36 dos pais inquiridos tinham gozado aquela
licença.
Outra das novidades é que, se a mãe ou o pai optarem
por passar a trabalhar a tempo parcial para
acompanhar os filhos menores, as contribuições para
a Segurança Social passarão a contar como se de
trabalho a tempo inteiro se tratasse. Neste ponto,
Glória Rebelo considera o incentivo insuficiente e
defende que os incentivos à maternidade deviam
também inscrever-se em sede de IRS, "sobretudo nas
despesas de educação".
Não há números oficiais A preocupação entende-se se considerarmos que as
razões financeiras são um dos motivos que levam a
que tantas mulheres portuguesas se esforcem por
conciliar a maternidade com o trabalho fora de casa.
No ano passado, em Espanha, mais de 33 mil mulheres
deixaram de trabalhar para cuidar dos filhos,
segundo números avançados no início deste mês pelo
Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais. Por cá,
essa estatística não existe, na mesma medida em que
não existem incentivos financeiros para tal. Mas os
dados recolhidos pela socióloga Karin Wall,
coordenadora do trabalho Família e Género em
Portugal e na Europa, mostram que a taxa de
actividade feminina em idade fértil não parou de
aumentar desde 1960. "Em Portugal, 75 por cento das
mulheres com crianças abaixo dos 12 anos trabalham.
Em Espanha, a percentagem é de 51 por cento",
afirma.
A necessidade de ter dois salários em casa não é o
único motivo que mantém as mulheres a trabalhar fora
de casa. "As mulheres começaram a valorizar a sua
inserção no mercado de trabalho porque isso lhes deu
independência económica e fez com que deixassem de
estar tão isoladas socialmente", sublinha Karin Wall,
recordando que essa conquista começou a partir de
1960, à boleia da emigração masculina, da guerra
colonial e do aumento dos serviços. Meio século
depois, as mulheres portuguesas não parecem
dispostas a arrepiar caminho. E a prova é que, num
inquérito recente, lhes foi perguntado se gostariam
de ficar dois anos em casa a seguir ao parto e a
maioria respondeu não. "Foi uma resposta que me
surpreendeu mas que mostra que o trabalho feminino
ganhou legitimidade política e social", explica a
socióloga Sofia Aboim, autora de vários trabalhos
sobre as questões do género e da família.
Porque a mudança foi muito repentina, como nota
Aboim, a mentalidade portuguesa continua carregada
de ambivalências. "Em Portugal, o trabalho é tido
como muito importante mas a ideia de que as mulheres
deviam ficar em casa a cuidar dos filhos também. Há
mais portuguesas do que suecas a trabalhar a tempo
inteiro e aqui aproximamo-nos dos valores do Norte
da Europa, mas, ao mesmo tempo, as mulheres
culpabilizam-se e vivem angustiadas por sentirem que
o trabalho prejudica as crianças", enfatiza,
considerando que a solução passa por "por promover o
trabalho a tempo parcial e por implementar horários
mais flexíveis".