Público - 28 Mai 05
Maioria das pessoas
desaparecidas são menores que fogem dos pais
No ano passado foram dadas como desaparecidas
232 pessoas, só na região de Lisboa. O número torna-se no
entanto menos pesado quando se sabe da taxa de sucesso das
investigações da PJ: mais de 95 por cento dos casos são
resolvidos rapidamente. Acresce que, em rigor, a maioria não
corresponde a desaparecimentos, mas a fugas planeadas de
adolescentes aventureiros ou em ruptura com a família. Numa
semana em que se assinalou o Dia Internacional das Crianças
Desaparecidas, o PÚBLICO seguiu o rasto de quem se perdeu no
mundo ou na vida. Por Ricardo Dias Felner
Quase metade das pessoas que foram dadas como desaparecidas pela
Polícia Judiciária, no ano passado, eram menores que fugiram de
casa dos pais. As razões que explicam o fenómeno têm sobretudo a
ver com a necessidade que alguns jovens sentem de escapar a
problemas familiares; ou decorrem, simplesmente, do espírito
aventureiro próprio da adolescência.
De acordo com a Polícia Judiciária, em 2004 foram participados
105 desaparecimentos de menores, só na região de Lisboa, que
concentra o maior número de casos (não existem dados nacionais).
De entre estes, 100 já regressaram às suas famílias e cinco
estão com o pai ou com a mãe.
Mais de 95 por cento dos casos foram resolvidos em 15 dias, um
mês. Os restantes, embora identificados e localizados pela PJ,
correspondem a situações de conflito paternal, em que um dos
pais fugiu com o filho. O Dia Internacional das Crianças
Desaparecidas (25 de Maio) foi esta semana assinalado.
A ideia de que é frequente desaparecerem crianças, que depois
são vítimas de abusos sexuais ou aliciadas para entrar no mundo
da prostituição, não tem, assim, sustentação estatística. O
fantasma do pedófilo sentado no banco do jardim, pronto a
sequestrar a criança que brinca no escorrega, é, para já, apenas
um mito.
Nas raras situações em que surgem indícios de que, relacionados
com um desaparecimento, podem estar abusos sexuais de menores, é
realizada uma investigação separada, por parte do departamento
da Judiciária que trata dos crimes sexuais - e não da brigada de
desaparecidos. Em 2004, na Directoria de Lisboa da PJ, apenas
foram tiradas duas certidões para processos desse tipo.
De resto, o desaparecimento de alguém nem sempre é negativo. Na
perspectiva da pessoa que desaparece, muitas vezes uma fuga pode
mesmo ser redentora - pode salvar uma vida. Os números indicam
que uma parte significativa das 232 pessoas desaparecidas no ano
passado eram mulheres a fugir de maus tratos infligidos pelos
maridos; ou maridos a fugir do enfado conjugal; ou amantes
procurando viver felizes, longe da aldeia ou do bairro opressor;
ou, tão-só, pessoas endividadas.
Disputas de poder paternal
Segundo Francisco Santos Silva, responsável pelo Departamento
Central de Informação Criminal e Polícia Técnica - de que
depende a Brigada de Investigação e Averiguação de Desaparecidos
da PJ -, neste conjunto de "desaparecidos" cabem dramas
familiares, mas também episódios prosaicos. Em ambas as
situações, contudo, a posição da polícia é delicada.
"Um homem que sai de casa para ir viver com a amante, por
exemplo. Nós acabamos por encontrá-lo, mas descobrimos que ele
se fartou da mulher e não quer ser localizado. Temos que
respeitá-lo", explica Santos Silva. "Também já aconteceu o
desaparecimento de um homem ter sido participado pela amante",
acrescenta. "O indivíduo simplesmente tinha voltado para a
mulher legítima."
No grupo de desaparecimentos mais graves incluem-se os
resultantes de disputas do poder paternal. Na maior parte das
vezes, são homens divorciados que lidam mal com a decisão
judicial de atribuir esse estatuto à mãe. Embora normalmente
estas crianças acabem por ser localizadas, há exemplos
dramáticos em sentido contrário.
É o caso de Sofia Catarina. A menina desapareceu a 22 de
Fevereiro de 2004, em Câmara de Lobos, Madeira, com dois anos de
idade. O pai, divorciado, pescador de profissão, tê-la-á raptado
da mãe, pelas 21h00, e fugido. Segundo a PJ, acabaria, no
entanto, por ir ter à esquadra da PSP de Câmara de Lobos, pelas
23h30 - onde a mulher se encontrava a apresentar uma queixa
contra ele. Sucede que, nessa altura, já não transportava
consigo a filha, tendo-se negado a adiantar o seu paradeiro.
Na categoria das investigações mais complicadas estão também os
desaparecimentos de pessoas com doenças mentais, como a
esquizofrenia ou a amnésia. "Os deficientes mentais ou as
pessoas com problemas psicológicos não têm um padrão de
comportamento, não se comportam de uma forma lógica. E,
portanto, temos mais dificuldade em reconstituir o seu
percurso", explica Francisco Santos Silva.
Das 55 pessoas "desaparecidas" nos últimos anos que ainda não
foram identificadas - e cujas fotografias se encontram na página
da Internet da PJ -, 30 sofrem de problemas psicológicos.
Alguns deles, como outros desaparecidos há vários anos, terão
morrido, supõe a PJ, em virtude de suicídios ou de morte
natural. O problema é que, enquanto não se encontram os corpos,
os processos permanecem em aberto. "Há suicídios que acabam por
não deixar vestígios da morte. Uma pessoa que se atira para a
Boca do Inferno [zona marítima, junto a Cascais, onde o mar é
bastante violento] pode ser completamente triturada em pouco
tempo", concretiza Santos Silva.
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