Um ataque às crianças
«Estes defensores das crianças dão cabo da sua privacidade.»
O PROGRAMA de educação sexual para os alunos do Ensino Básico, que este
jornal revelou na semana passada, é um escândalo. E antes que venha o
coro inquisitório acusar-me de várias coisas extraordinárias, incluindo
o inevitável reaccionarismo e a muito na moda homofobia, permitam-me que
repita: é um escândalo.
Não pretendo discutir se é, ou não, boa ideia serem as escolas a ensinar
educação sexual. Mas sei que é péssima ideia ensinar-lhes este programa
de relações sexuais. Primeiro, porque o desenvolvimento das crianças é
muito diferente (entre rapazes e raparigas é totalmente desfasado);
depois, porque as famílias hão-de ter o direito de educarem - ao menos
neste aspecto - os filhos como bem entenderem; terceiro, porque não
aceito que haja uma concepção científica ou, pelo menos, um conceito
testado neste campo (ou seja, nada permite dizer que esta educação
sexual leva a que as pessoas sejam mais previdentes, mais felizes ou
mais bem sucedidas emocionalmente no futuro); quarto, porque parte de um
pressuposto errado: as crianças actuais não são filhos ou netos de
pessoas com imensos tabus, mas da geração que efectuou a grande
revolução sexual dos anos 60, que, por vezes com exageros, destruiu
mitos e tabus das gerações anteriores. É estúpido pensar-se que as
meninas continuam proibidas de ler Eça, ou que os rapazes conhecem a
primeira mulher numa casa de passe.
Ainda que nada do que acabo de escrever fosse verdade, um ponto existe
naquele programa que é, a meu ver, execrável: pelo menos nos exemplos
dados, o programa visa destruir a privacidade de cada criança e
convida-a a partilhar com colegas e professores aspectos que devem ser
da sua intimidade. Imaginem que as questões do programa eram feitas a um
adulto, num emprego (e cito): em que pontos gostas mais que te toquem?
Já te masturbaste? Onde? Com quem? Imagina que chegaste a um país onde a
maioria da população é homossexual (com o que eles sonham, meu Deus!),
etc., etc. Se tal acontecesse, seria considerado - e bem - inadmissível.
Pois bem, esta gente que se esquece de pôr no programa a prevenção das
doenças sexualmente transmissíveis, esta gente que destrói completamente
a ideia de amor (ou de qualquer envolvimento emocional) nas relações
sexuais, o que é um atentado a todas as pessoas saudáveis; esta gente
que enche a boca com os direitos das crianças, nega-lhes, no entanto, um
direito fundamental - o direito à privacidade e, dentro dessa
privacidade, o direito de cada criança à descoberta do seu corpo e dos
seus sentimentos e, mais tarde, do corpo e dos sentimentos de outros.
Parecem burocratas saídos do 1984
de George Orwell.
hmonteiro@mail.expresso.pt