Público - 16 Mai 05
Manifesto
antidesânimo
Graça Franco
Não
convém desanimar. À beira dos exames todos sabem que nada
garante mais um chumbo do que a convicção da sua inevitabilidade.
Mesmo os alunos razoáveis podem ver-se vítimas de uma
extemporânea quebra de auto-estima e deitar por terra o trabalho
de anos. Presos na modorra do "não vou ser capaz, isto não é
para mim!". É um estado fatal. Com os países, passa-se a mesma
coisa. Em vez de morrermos de inveja do colega finlandês, talvez
ainda possamos reconhecer que cabulámos, agarrar-nos ainda aos
livros, enfim, fazer umas directas como os alunos razoáveis, à
checa. Geralmente, "a sorte protege audazes" e o azar persegue
os preguiçosos e os cobardes.
Portugal enfrenta a ameaça de um sete. E sete, quando se fala de
défice, não é pouco, é muitíssimo! É tanto que não dá para
esquecer nem para fingir que não existe. Para aqueles que ainda
usam a escala de zero a 20, um sete é, além disso, a marca dos
cábulas. Nem dá para ir a exame. Do chumbo em Bruxelas já
ninguém nos livra, com a agravante de uma derrapagem deste tipo
nos remeter directamente para o estatuto de Estado pária.
E se a "crise orçamental é grave" e "ainda pior" do que
Constâncio temia, é urgente que o governador venha explicar-nos,
sem demora, porquê. Tanto mais que há poucos dias, no seu
Boletim da Primavera, o quadro orçamental traçado para as contas
finais de 2004 se ficava por uns mais do que previsíveis 5,2 por
cento (sem receitas extraordinárias), abaixo dos 5,4 do ano
anterior.
O que vier a ser previsto para este ano terá de deixar muito
claro que é exclusivamente fruto da irresponsabilidade passada,
por acção ou omissão, e não da complacência actual com um
desastre antecipado, a que não houve coragem de pôr cobro. Com
excepção das Scuts, os restantes disparos terão de ser muito bem
explicadinhos. Porque quem não tem dinheiro não pode continuar a
gastar como se o tivesse, atirando as culpas para os pais que
não lhe deixaram a herança prevista. É crime de lesa-pátria
deixar sozinho, em campo, Campos e Cunha. Esperemos que o eng.
Sócrates saiba resistir à tentação.
A credibilidade internacional perde-se num ápice, mas leva anos
a reconquistar. As agências de rating aí estão, prontas a
assinalar a mais pequena falha e a confirmar as piores
suposições. Os seus juízos desfavoráveis pagam-se caro através
do consequente agravamento dos juros impostos à dívida pública.
Esta representava, ainda em 2003, uns razoáveis 58 por cento do
produto e, para nossa desgraça, já vai nos 66 por cento,
violando o segundo critério. Ainda assim, repito: não convém
desanimar! Fale-se verdade e, se for preciso, vamos lá todos
trabalhar por atacado, mais uns fins-de-semana. A sério! No
sentido absoluto do termo, mais horas de trabalho sem mais
remuneração, como nos tempos em que o PCP nos convidava a dar um
dia de trabalho para a nação. E como um dia não bastará a somar
à média nacional de 135 dias a trabalhar para pagar ao fisco...
digam-nos lá, sinceramente, quantos mais dias teremos de
trabalhar. Mas não nos mintam nem nos entretenham com promessas
de amanhãs com TGV, megapontes, novos aeroportos e hospitais...
tudo a crédito, porque não há dinheiro!
Aproveite-se o consenso entre o PSD e o PS (o bloco central
informal dos economistas!), com Campos e Cunha a dizer que tem
de haver moderação salarial na função pública e Cadilhe a
sugerir o encerramento orçamental de alguns serviços, enquanto
Borges advoga a revisão do velho e caótico sistema retributivo
da função pública. Aproveite-se a onda e, enquanto uns dizem
mata e os demais reclamam esfola, tenha-se a coragem de avançar
com a Reforma, por mais contestação que ela acarrete nas ruas.
Mas acabe-se com a desculpa de que o excesso de funcionários é
raiz de todos os males...
Não é para desmoralizar, mas alguém reparou que Portugal, num
único ano, caiu seis lugares no ranking mundial da
competitividade? O tal indicador-fétiche do prof. Cavaco Silva
(a ideia-chave de que dependerá o nosso futuro ou a ausência
dele) e a prioridade das prioridades do eng.º Sócrates,
subjacente ao seu choque tecnológico. Querem saber mais?
Descemos 13 lugares desde 2001. É preciso ter em conta, na
análise da queda, o facto de 11 novos Estados terem passado a
fazer parte do ranking? Errado! Se recuarmos a 99 (quando
estávamos ainda num honroso 28.º lugar), a queda passa para 17
lugares. Nessa altura, a República Checa estava em 41.º, ou
seja, 13 lugares abaixo e agora está em 36º, ou seja, nove
lugares acima de nós. Ainda não está sequer tão bem como nós
estávamos há meia dúzia de anos, mas tem a enorme vantagem de ir
no bom caminho, enquanto nós estamos no caminho errado.
Para um último sobressalto, deixo-vos mais um dado: entre 600
países, Portugal é o 58.º, se falarmos de ameaça de
deslocalização. Querem que vos explique o que isto pode
significar?
Loucura sexual
Lê-se no Expresso e não se acredita! Não é possível que, de
olhinhos fechados, tenhamos caminhado nas nossas escolas
públicas até aqui. Não é possível que a dita Associação para o
Planeamento da Família se proponha, em conluio com o Estado,
educar sexualmente as nossas criancinhas de 10 e 11 anos de
acordo com os princípios espelhados nos manuais espanhóis
reproduzidos (com aquelas inenarráveis ilustrações!) num
desatinado culto do hedonismo mais absurdo, à mistura com uma
total falta de bom senso e uma tontice arrepiante...
Nem na década de 60 esta sexualidade reduzida à mais pura
genitalidade estava na moda! Aí, lembram-se?, ninguém se
esquecia, pelo menos, de falar de Amor. E era "fazer amor" e não
"fazer sexo" que se recomendava como via pacifista. Eu percebo
que os paizinhos autores daqueles manuais não queiram aulas de
educação sexual dadas por mim ou por uma outra qualquer
conservadora. Percebo até que fiquem de cabelos em pé com a
simples ideia de se poder traumatizar os rebentos com a noção de
pecado (para quem não saiba, significa ofensa a Deus), associado
a uma série de comportamentos que, pelos vistos, consideram não
apenas "normais" (o que nalguns casos a noção estatística
desmente frontalmente), mas, e sobretudo, como absolutamente
recomendáveis (e aí quem fica de cabelos em pé sou eu!). Mas
espero que seja reconhecido o direito à objecção de consciência
dos pais que não queiram ver os filhos sujeitos a esta espécie
de catequese bloquista. E não percebo bem como pode ela estar
garantida se a matéria é vista como transversal e, a avaliar
pelo que diz o Expresso, pode surgir inopinadamente dentro do
currículo de uma qualquer disciplina do 1.º ao 12.º ano. Como no
próximo ano dois dos meus filhos - que fui forçada a passar para
a escola pública - serão potenciais vítimas, vou informar-me.
Nem que tenha que evocar o direito ao respeito pela cultura e
sexualidade das "minorias".
Já agora, valia a pena os responsáveis do Ministério da Educação
darem uma olhada nas campanhas de prevenção internacionais
contra a pedofilia (vide as belgas), que aconselham o cultivo do
pudor e do recato em relação ao próprio corpo como arma número
um de defesa da criança, na identificação e denúncia dos riscos
de potencial agressão sexual, dentro e fora da família. E põem o
acento tónico na livre recusa de um comportamento sexual
tentado. "Ensine o seu filho a ser capaz de dizer "Não!"". Somos
especialistas em nunca aprender com os outros a evitar os
erros...
Alguém se admira com o insucesso das nossas escolas quando em
pleno despertar das hormonas se perdem 50 minutos de aula a
divagar sobre os vários nomes possíveis a dar aos órgãos
genitais (palavrões incluídos!) para os afixar em cartaz na
aula? Isto não é profícuo e didáctico? Será que as aulas
terminam com a recomendação de "e não se esqueçam de praticar no
recreio..." ou já não é preciso?...
E queixam-se das gravidezes adolescentes, e do progresso da sida
quando nem se fala das doenças sexualmente transmissíveis. Não
foi para isso que inventaram a disciplina?
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