Esticou o pé para
trás e, em jeito de coice, atingiu o André na cara,
levando-o ao desmaio. Esta não é uma cena de um filme de
acção de má qualidade. Infelizmente aconteceu no pátio
de uma escola – a EB 2,3 Padre Alberto Neto, em Rio de
Mouro, Sintra.
“Ele queria usar como baliza o banco onde eu estava
sentado. Eu não me levantei porque tinha saído da aula
de Educação Física e sentia-me cansado”, explica o
André, assumindo que, antes, em Março, também foi
agredido à cabeçada por um colega de turma, dentro da
própria sala de aula. “Nessa altura a professora ficou
muito assustada, porque o sangue espirrou para todo o
lado.”
Este jovem, ao contrário de outros em situação idêntica,
não ficou calado e assim deu testemunho de coragem.
Também a mãe, Anabela Santos – que aponta
responsabilidades à escola por não ter sido prestada a
assistência devida no momento do desmaio – não cruzou os
braços e deu conta do sucedido à Direcção Regional de
Educação de Lisboa (DREL). “Para que conste nas
estatísticas.”
Talvez porque muitos jovens não têm a coragem do André e
nem todas as mães demonstram a tenacidade de Anabela, os
números do Ministério da Educação sobre agressões entre
alunos dão conta de um decréscimo de ocorrências: de
1628 em 2002 para 1525 casos em 2003.
Na sequência do esfaqueamento, na semana passada, de uma
rapariga por uma colega numa escola da Amadora, o
Ministério foi instado a reunir informação sobre as
ocorrências mais recentes, que ontem ainda não estava
disponível.
“NÃO HÁ RAZÃO PARA PÂNICO”
Margarida Gaspar de Matos e Susana Fonseca Carvalhosa
são as autoras de um estudo sobre ‘Violência na Escola:
Vítimas, Provocadores e Outros’, realizado junto de 6903
alunos do 6.º, 8.º e 10.º anos de escolaridade em
escolas de todo o País.
Da totalidade dos jovens, 25,7 por cento (1751) afirmou
ter-se envolvido em comportamentos violentos, fosse como
vítima (13,6 por cento), provocador (6,3) ou duplamente,
simultaneamente vítima e provocador (5,8), mais do que
duas vezes no período lectivo.
Segundo afirma ao CM Margarida Gaspar de Matos, docente
da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade
Técnica de Lisboa (UTL), “os miúdos que são vítimas aos
11 anos, por volta dos 13 passam a ser violentos para os
outros e aos 15 anos começam a usar armas.”
Margarida Gaspar considera contudo que “não há razão
para entrar em pânico”, marcando a devida distância
entre as escolas portuguesas e as norte-americanas no
que toca a episódios de violência entre os alunos. A
investigadora não preconiza a instalação de detectores
de metais à porta dos estabelecimentos de ensino, nem de
sistemas de videovigilância nos corredores. “Importante
é promover o sucesso escolar e eliminar as diferenças
sociais extremas.”
Mas o André não pode esperar pela concretização das
medidas sugeridas. Após cinco dias de suspensão, o rapaz
que o agrediu volta, amanhã, à escola.
DETECTAR E COMBATER ACTOS DE PROVOCAÇÃO
Ao contrário do André, muitas crianças e jovens vítimas
de violência na escola não denunciam a situação. Os pais
devem estar atentos. Uma criança pode estar a ser
incomodada se:
Regressa da escola com a roupa rasgada ou suja, sem
algum livro ou outros pertences
Apresenta arranhões e nódoas negras inexplicáveis
Tem poucos amigos
Parece ter medo de ir para a escola
Perdeu o interesse no trabalho escolar
Queixa-se de dores de cabeça ou de estômago
Tem dificuldade em adormecer ou tem pesadelos
Parece estar triste ou deprimida ansiosa ou com baixa
auto-estima.
'BULLING' ATORMENTA UM EM CADA CINCO
Os investigadores anglo-saxónicos chamaram-lhe ‘bullying’.
Trata-se de um tipo de comportamento que, em português,
poderá definir-se como provocação ou implicância.
Manifesta-se em casa, no local de trabalho e,
principalmente, nas escolas. Também nas portuguesas.
“Um aluno é vítima de ‘bullying’ quando está exposto,
repetidamente, ao longo do tempo, a acções negativas por
parte de uma ou mais pessoas” precisa o professor
norueguês Dan Olweus, o primeiro a utilizar o conceito.
Incluem-se naquela categoria acções físicas (bater, dar
pontapés, forçar a dar dinheiro), verbais (chamar
nomes), psicológicas (ameaçar, deixar deliberadamente um
indivíduo fora do grupo) e sexuais (assédio, abuso). Ao
contrário de outros comportamentos violentos, o
‘bullying’ é intencional, repetido e pressupõe
desequilíbrio de poder entre agressor e vítima.
Estudos realizados a nível nacional revelam que cerca de
58,7 por cento dos alunos entre os 11 e os 16 anos
envolve-se em comportamentos de ‘bullying’ – 21,4 por
cento (mais de um quinto) como vítimas e 25,9 por cento
como vítimas e provocadores simultaneamente. Tendo
analisado o fenómeno entre 1998 e 2002, as cientistas
sociais Susana Fonseca Carvalhosa e Margarida Gaspar de
Matos concluíram que naquele período “a frequência de
provocar e de ser vítima, semanalmente, aumentou”.
Os comportamentos mais usados para provocar são gozar,
chamar nomes; fazer comentários ou gestos ordinários
e/ou piadas sexuais; mentir, espalhar boatos; excluir,
deixar de fora de actividades de propósito. Os rapazes
estão mais envolvidos em comportamentos de ‘bullying’ do
que as raparigas. Os mais novos (11 anos) são mais
frequentemente vítimas ou assumem comportamentos de
duplo envolvimento: vítimas e provocadores.
CONTAR SEMPRE A UM ADULTO
O quotidiano de uma criança vítima de ‘bullying’ é um
tormento e a escola um local de permanente humilhação.
“Os miúdos acreditam que a culpa é deles. Que, por terem
óculos ou uma cor diferente, não podem evitar os
comportamentos negativos dos outros”, observa a
psicóloga Helena Paiva, dirigindo-se às crianças que
enfrentam este tipo de perseguição para aconselhá-las:
“Contem o que se passa a um adulto”.
Uma maneira de fugir dos que gostam de implicar com os
outros, normalmente mais fracos, é andar em grupo, pois
os provocadores só são valentes quando o ‘alvo’ está
sozinho e não se atrevem a ofendê-lo se o encontram
junto de amigos dispostos a defendê-lo. Os provocadores
são, em regra, crianças impulsivas e dominadoras, com
baixa tolerância à frustração, que não experimentam
facilmente sentimentos de empatia, não obedecem às
regras e encaram a violência de uma maneira positiva. |