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Capital - 12 Mai 05
Uma cidade envelhecida - A
demografia é uma questão estratégica em qualquer país
M. José Nogueira Pinto
A demografia é uma questão
estratégica em qualquer país. O envelhecimento da
população tem um
impacto considerável não só na economia nacional mas
também no modelo de financiamento público dos sistemas
sociais.
Na saúde, por exemplo, uma população
envelhecida representa, só por si, um aumento de custos
resultante do maior consumo em bens de saúde, já que
esta fase da vida se caracteriza por uma crescente
dependência da prestação de cuidados e acesso a meios de
diagnóstico e terapêutica, bem como consumo de
medicamentos.
Na segurança social, parte
retributiva do sistema ressente-se pela diminuição dos
activos, as dificuldades de renovação geracional a que
por vezes se juntam ciclos económicos negativos. A parte
não retributiva – ou de solidariedade – é agravada pela
necessidade de responder complementarmente às baixas
pensões, insuficientes para fazer face a um aumento da
esperança média de vida, mas de vida frequentemente com
pouca qualidade.
Em Portugal, os sinais de alerta,
que encontraram quase sempre orelhas moucas, não são
recentes. Contudo, agendas políticas imediatistas
postergaram a necessidade urgente de estabelecer, a
nível nacional, o empenho de respostas necessárias aos
diferentes estádios do envelhecimento, desde a simples
necessidade de convívio, até uma progressiva cobertura
do apoio domiciliário, passando por residências
assistidas, lares, cuidados continuados, cuidados
paleativos etc.
A este fenómeno de mais vida, mais
dependência, juntou-se um outro traço característico das
sociedades actuais: a solidão. Esta resulta, a mais das
vezes, de abandonos radicados no enfraquecimento do
tecido familiar e dos laços afectivos, tudo caldeado por
uma cultura hedonista e desresponsabilizadora.
O último Census mostra que, só na cidade de Lisboa,
trinta e três mil idosos estão sós.
Independentemente do seu nível
económico, caminham para uma situação de dependências
múltiplas. As respostas existentes são escassas, e
outras, comprovadamente necessárias, nem sequer existem.
A fronteira ambígua entre acção
social e saúde, nesta matéria, tem servido de álibi para
indefinições imperdoáveis tendo em conta a magnitude do
problema. Diariamente os hospitais de agudos «despejam»
velhos na cidade. As listas de espera aumentam, as
respostas ao domicílio são insuficientes e
insatisfatórias. No fim da vida, milhares e milhares de
cidadãos são penalizados, humilhados pelo simples facto
de estarem vivos.
Uma sociedade desenvolvida é a que,
em minha opinião, cria efectivas condições para que os
seus cidadãos possam nascer, crescer, viver e morrer com
dignidade. Não é o nosso caso.
A sociedade civil, felizmente, tem
priorizado este problema. Com base em estudos que
permitem uma visão prospectiva segura da realidade,
foram criados programas específicos de voluntariado,
direccionados para os mais idosos, dos quais destaco o
«Mais voluntariado, menos solidão», que, através da
disponibilidade de tempo e afecto de cidadãos atentos ao
«outro», tem procedido a um acompanhamento progressivo
dos idosos isolados dentro da cidade.
Embora com o sentimento de que tudo
isto demora tempo e não chega, anima-nos a esperança de
que este esforço possa ser prosseguido por toda a rede
social em Portugal. Oxalá.