Público - 26 Mai 04

Um Quarto das Crianças Nasce Fora do Casamento em Portugal
Por ALEXANDRA CAMPOS

O número de crianças nascidas fora do casamento representa já um quarto do total de nascimentos em Portugal (25,5 por cento em 2002). Os números não surpreendem os sociólogos, até porque o crescimento da natalidade extramatrimonial tem sido contínuo desde a década de 70 e este fenómeno não é um exclusivo português.

Os dados demográficos mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) permitem perceber que, para esta situação, contribui basicamente a expansão recente da "coabitação" e, em menor grau, da monoparentalidade. As uniões de facto mais do que duplicaram no último período intercensitário (1991-2001), representando agora cerca de sete por cento do total, nota Maria Engrácia Leandro, socióloga da Universidade do Minho.

"O casamento deixou de ser o único meio legítimo do acesso à conjugalidade ou à parentalidade", explicam Pedro Moura Ferreira e Sofia Aboim, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, num artigo recentemente publicado sobre este fenómeno.

O certo é que muitos casais em coabitação acabam por se casar após o nascimento do primeiro filho. Em 2001, em 16,4 por cento dos casamentos efectuados, o homem e a mulher já viviam juntos antes de formalizarem o vínculo matrimonial, lembra Sofia Aboim.

Este fenómeno tem de ser analisado à luz de um ciclo de novas tendências, não só o aumento das uniões de facto, mas também o crescimento da taxa de divórcios e a preferência crescente pelo celibato. Basta ver que a taxa bruta de nupcialidade passou de 7,2 por cento (por mil habitantes) em 1991 para 5,4, em 2002, enquanto a taxa de divorcialidade cresceu de 1,1 por cento em 1991 para 2,7 por cento em 2002.

Filhos como projecto e não como recurso

Com a fecundidade a decrescer acentuadamente, os filhos são vistos actualmente como "um projecto", quando no passado eram encarados como "um recurso", sublinha Maria Engrácia Leandro. Os países nórdicos ultrapassaram este problema e "não foi apenas dando abonos às famílias", frisa a socióloga, defendendo que a "natalidade não é um problema dos pais, mas da sociedade".

Curiosamente, Portugal sempre teve taxas de natalidade extramatrimonal mais elevadas do que outros países europeus, superiores às de Espanha, da Bélgica, do Luxemburgo e muito superiores às de Itália e da Grécia. Neste  indicador estamos já bem próximo da média da União Europeia (27 por cento em 2000).

A singularidade da posição portuguesa no contexto dos países do Sul da Europa justifica-se, em parte, devido à ocorrência de uma revolução que provocou comportamentos muito modernistas em determinadas áreas e a uma relativa perda do peso da Igreja Católica. Mas não só. Aliás, "longe de poderem ser vistos como a realização do ideal moderno da relação conjugal, os actuais nascimentos fora do casamento são antes um sintoma de precariedades várias", acentuam os dois sociólogos do Instituto de Ciências Sociais.

O crescimento do número de filhos fora do casamento começou antes do 25 de Abril de 1974. À excepção do Alentejo, onde havia uniões de facto entre meios desclassificados, no resto do país abundavam os filhos ditos "ilegítimos", devido às dificuldades de acesso ao casamento, por causa da pobreza e da emigração masculina.

Os números de nascimentos fora do casamento verificados nos últimos anos são até semelhantes aos registados em meados do século XX. A diferença é que, nessa altura, nasciam em média quase o dobro das crianças por ano. 1936 continua a ser o ano em que se verificou o mais número de nados vivos "ilegítimos" - 31.892 , mais de 15 por cento do total de nascimentos então registados.

Seja como for, os portugueses continuam a preferir o casamento e a maior parte continua a casar-se na Igreja Católica.

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