Público - 15 Mai 04
Rede familiar não existe para a
maioria das famílias
Por NELSON
MARQUES Ao contrário do que é comum
afirmar-se, a grande maioria das famílias portuguesas não tem
qualquer apoio frequente da rede familiar. Este é um dos dados já
perceptíveis do inquérito "Famílias do Portugal Contemporâneo", uma
iniciativa conjunta do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da
Universidade de Lisboa e do Centro de Investigação e Estudos em
Sociologia (CIES) do ISCTE. Se é verdade que, de acordo com o
estudo, apenas 10 por cento dos inquiridos afirma nunca ter tido
qualquer apoio das suas relações de parentesco, mais de metade diz
não receber actualmente qualquer tipo de apoio e só 4,4 por cento
refere que esse apoio é frequente.
"Se olharmos para um determinado momento da vida
das famílias, a maior parte não tem qualquer apoio", sustenta Pedro
Vasconcelos, do CIES, um dos investigadores envolvidos no projecto
coordenado por Karin Wall (investigadora do ICS), que será publicado
em livro ainda este ano. "O apoio, quando existe, acontece apenas
algumas vezes e não num fluxo permanente de bens e serviços". Um
quadro, sustenta o sociólogo, ainda assim longe do anunciado
"isolamento da família nuclear em relação à parentela" defendido
pelas teses clássicas sobre as transformações da instituição
familiar nas sociedades modernas.
Um outro estudo recente, coordenado por Anália
Torres, também do CIES e editado em Maio, chega a conclusões
semelhantes. Em relação aos apoios relacionados com os cuidados a
prestar às crianças, as soluções de tipo familiar, como o recurso a
avós, "não são tão dominantes como se esperava". O dado mais
relevante diz respeito ao elevado número de entrevistados que diz
ser a própria mãe a principal solução de guarda dos filhos enquanto,
simultaneamente, trabalha. Uma percentagem que atinge os 30 por
cento nos casos das crianças até dois anos e 26 por cento nas de
idade inferior a 10.
"Ou as crianças ficam sozinhas em casa ou
acompanham as mães para os seus locais de trabalho. De uma maneira
ou de outra, estaremos sempre perante más soluções", concluem os
investigadores, referindo que a maioria dos casos diz respeito a
mulheres que trabalham em actividades precárias não qualificadas.
Dados que vêm reafirmar a urgência de "equipamentos socioeducativos
que respondam satisfatoriamente às necessidades das famílias" e que,
segundo os investigadores, além de insuficientes, encontram-se mal
distribuídos pelo território nacional, sendo mais escassos onde são
mais precisos.
Menos ajuda para quem mais precisa
Uma análise importante tem a ver com as
diferenças sociais no acesso aos diversos tipos de apoio. Factores
como o rendimento do agregado familiar influem fortemente, por
exemplo, na capacidade de recorrer a alguém para tomar conta dos
filhos. "A ideia de que em Portugal existe um cultura de
solidariedade social é um mito. A grande maioria da população não
tem recursos para grandes apoios. O apoio é muito desigual e tanto
mais forte quanto mais alta for a posição social", salienta Pedro
Vasconcelos.
Se, nas classes com maiores recursos económicos,
os apoios quotidianos (financeiros, materiais, domésticos, etc.) são
acompanhados por fortes transmissões patrimoniais, no fundo da
hieraquia social sobressai o apoio quotidiano mais básico. O que não
quer dizer, alerta Vasconcelos, que esse apoio não seja importante.
"Muitas vezes é mesmo vital, porque estamos a falar em situações de
carência sistemática", explica.
Interessante é também verificar que a linha
condutora dos apoios familiares é uma linha que se baseia claramente
no feminino. "O apoio familiar, quando existe, é muito mais feminino
e flui muito mais pela família da mulher do casal", revela
Vasconcelos. Uma linha de género evidenciada também no trabalho de
Anália Torres. A equipa de investigadores autora de "Homens e
Mulheres - entre a família e o trabalho" defende que, em relação ao
auxílio à 3.ª idade, por exemplo, o défice não está na assistência
familiar, "e muito menos no apoio feminino", mas parece residir nos
equipamentos de apoio que, "apesar da melhoria de cobertura,
continuam ainda a estar distribuídos de forma muito assimétrica no
território nacional".
 |