Diário de Notícias - 3 Mai 04

 

Negar a evidência

João César das Neves

 

A Constituição revista acrescentou agora a proibição de discriminação por orientação sexual (mas, estranhamente, ainda não por idade ou deficiência). A afirmação do princípio é boa, ao sublinhar o respeito que todos merecem. Mas tem de estar sujeita à realidade das coisas. Por exemplo, ela não vai permitir a orientação sexual pedófila, pois não?

O campo onde a questão pode ser mais polémica é o da legalização do casamento de homossexuais, que se tornou momentaneamente avassaladora nos EUA e Europa. O tema cria fortes movimentações legais e intensas discussões. Vem rodeado de tal fanatismo que não faltam os que afirmam que quem for contra essa legalização é automaticamente troglodita, intolerante e chauvinista.

Consideremos calmamente as coisas. O casamento é a união para vida de uma mulher e um homem. Sempre foi assim e nunca houve dúvidas sobre isto. Casamento quer dizer a união dos dois sexos, como o almoço implica comida e valsa significa música. Sempre houve homossexualidade e em certas épocas até foi bastante influente. Mas casamento é entre homem e mulher. Há outros tipos de ligação, da sociedade comercial à aliança entre Estados. Esta é a realidade dos factos, qualquer que seja a opinião sobre homossexualidade, empresa ou diplomacia.

A sociedade reconhece e o Estado sanciona esta ligação, como outras, por causa dos seus benefícios comunitários. A família centrada no casamento estável é a forma mais adequada de gerar cidadãos e de os preparar para a vida, apoiar na doença e na velhice, além de promover a felicidade e estabilidade geral das pessoas. Outros meios falharam por completo. Isso vê-se bem hoje no Ocidente. Ao desprezar a família em troca de «uma vida sexual e reprodutiva saudável, gratificante e responsável», a taxa de natalidade está a cair, os povos europeus estão em risco de extinção e a droga e depressões prosperam.

Esta é a evidência das coisas e a objectividade dos factos. Mas se os conceitos fundamentais forem definidos pela opinião de cada um, nunca mais nos entendemos. Hoje são os homossexuais que querem legalizar a sua união como igual ao casamento. Amanhã será a poligamia (que até tem a vantagem de gerar mais prole), depois o incesto, depois, porque não, a bestialidade. Se casamento é apenas a expressão pública do amor, haverá quem queira proclamar legalmente a sua paixão pela empresa, clube de futebol, automóvel ou jóias. Isto parece-nos tão louco como pareceria aos nossos avós o que hoje se quer fazer.

O mais curioso é que o casamento estava sob ataque até os homossexuais o considerarem excelente. É já quase mais fácil divorciar-se do que casar e defender o casamento era, até há pouco, ofensivo para a dignidade das uniões de facto, que não podem ser discriminadas. Toda a gente via os defeitos, falhanços e inanidade do casamento.

Agora, por esta razão, descobrem-se as suas eminentes virtudes insuspeitadas. Parece que afinal a união de facto, excelente para os casais comuns, é inaceitável para homossexuais, e o seu casamento é, não só necessário, mas indispensável.

Este é mais um assunto pseudo-controverso, que surge subitamente, motiva acalorados debates e insultos, decide eleições... e desaparece sem deixar rasto.

Neste caso, como em tantas questões polémicas, a lógica não anda muito respeitada. Até teria graça, se não existissem tantos problemas graves que ficam descurados entretanto.

 

WB00789_.gif (161 bytes)