Público - 20 Mai 03
Primeira Aluna a Queixar-se Abandonou a Escola
Por ISABEL LEIRIA
A primeira denúncia foi feita em Novembro passado e veio reacender o debate em
torno da polémica questão das praxes. Ana Damião, aluna do Instituto Piaget de
Macedo de Cavaleiros, queria que se fizesse justiça em relação aos abusos de que
tinha sido vítima durante as praxes do início do ano lectivo.
Ao ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce, escreveu uma carta em
que contava como tinha sido obrigada por estudantes mais velhos a rebolar na
lama, a simular orgasmos, a insultar a família. O caso chegou à
Procuradoria-Geral da República e motivou a instauração de um processo dentro da
escola. Mas quatro meses depois, a "caloira" do curso de Fisioterapia acabou por
não aguentar a "situação horrível" que passou a viver na escola.
Olhada de lado pelos colegas e pelos funcionários, comentada nos corredores, já
sem amigos a quem pedir apoio e repreendida por escrito pela própria escola - a
direcção concluiu que o relato tinha sido feito de forma "subjectiva e
excessiva" -, Ana Damião desistiu de lutar e decidiu anular a matrícula no
início do Março. "O ambiente estava completamente degradado, não tinha
estabilidade psicológica e era impossível conciliar o estudo com aquela
situação", afirma.
Tudo se deteriorou ainda mais depois de serem conhecidas as conclusões do
processo instaurado pela direcção da escola. "A partir daí, mesmo aqueles dois
ou três colegas que me defendiam deixaram de me falar. Fui colocada ao mesmo
nível dos agressores". Em Fevereiro, durante uma frequência, e depois de ouvir
mais comentários "desagradáveis", acabou por se decidir. "Nem dez minutos lá
fiquei. Decidi que não voltava mais à escola".
Com o ano dado como perdido, Ana Damião prepara-se agora para os exames de
acesso ao ensino superior e começar tudo de novo. Mas é sem hesitação que
garante não estar arrependida de ter denunciado publicamente o seu caso."Apesar
de todo o sofrimento, de ter perdido um ano, voltaria a fazer o mesmo. Mais vale
denunciar do que calar e consentir".
Também a aluna da Escola Superior Agrária de Santarém diz estar a sofrer as
consequências de ter apresentado queixa em relação à "tortura" a que foi
sujeita. Na passada semana, em carta dirigida a Pedro Lynce, exigiu mesmo que a
tutela a transferisse para outra instituição de ensino "Devido às agressões de
que fui alvo e ao clima insuportável de ameaça e segregação a que fui sujeita,
não é mais possível continuar a frequentar a escola", justifica.
O ministério explicou então que não lhe compete proceder à transferência da
aluna mas que não colocará quaisquer entraves ao processo.

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