Diário de Notícias - 26 Mai 03
Nós pagamos
João César das Neves
Os estudantes universitários estão mais uma vez a fazer barulho para não
pagar as propinas. De facto eles não pagam. Quem paga somos nós. São os
contribuintes de todo o País que pagam os seus estudos. Mesmo se eles
pagassem as propinas, seriam os contribuintes a pagar-lhes os estudos,
porque aquelas representam uma percentagem diminuta do custo total do
curso superior. Eles não pagam. Nós pagamos.
Os nossos futuros advogados, engenheiros, médicos e gestores estão a estudar
à custa dos pobres. De facto, eles não pagam nem nunca vão pagar os seus
estudos. Como a grande maioria dos advogados, engenheiros, médicos e
gestores é quem foge ao fisco, os actuais universitários nunca chegarão a
reembolsar a sociedade. Nem foram os seus pais que pagaram esses estudos.
Como a grande maioria dos universitários são filhos de advogados,
engenheiros, médicos e gestores, as suas famílias sempre estiveram livres
dessas despesas. Assim, nas universidades públicas a elite nacional
recebe à custa dos pobres a formação que, permitindo-lhe
manter esse estatuto, evita que alguma vez pague a sua
dívida à sociedade.
Por isso, a universidade pública é um dos mecanismos de injustiça mais
escandalosos de Portugal. É uma forma chocante de os ricos receberem de
borla um serviço precioso à custa do dinheiro dos pobres. Não é, talvez,
o maior dos sistemas iníquos. As verbas e os números dos
que vivem à custa dos hospitais, repartições e Câmaras
são muito maiores. Mas é, sem dúvida, o mais descarado de
todos. Precisamente por causa das manifestações contra as
propinas.
Este é o único caso em que aqueles que recebem um grande benefício ainda se
atrevem a recusar a contribuição mínima que lhes pedem, por algo que os
colocará muito acima daqueles que os financiam. Este é o único caso em
que aqueles que chupam o dinheiro dos trabalhadores ainda
têm o desplante de protestar ruidosamente em público,
perante a passividade da sociedade e o ar prazenteiro dos
jornalistas.
Talvez ainda mais escandaloso seja o argumento utilizado. Os estudantes não
querem pagar porque a universidade não presta. Olha que surpresa! Pois se
é de borla, o que é que queriam? Aquilo que se exige e
não se paga não costuma ser de boa qualidade. De facto,
dada a forma clientelar do seu financiamento, a
universidade até é muito melhor do que seria de esperar. Só
que cliente que não paga não protesta. Mas os estudantes recebem e ainda
gritam por cima.
A universidade talvez não lhes ensine muito, mas ao menos saem bem formados
nas técnicas de pressão política e abuso dos fundos públicos, uma das
actividades mais lucrativas do País. Com essa competência, os nossos
licenciados podem aspirar a bons empregos nos múltiplos grupos de pressão
que chupam o Estado.
Há muita gente a parasitar o Orçamento. Sendo metade do produto nacional, há
mesmo muita gente. Isso bem se vê em casos recentes. Mas ao menos a
maioria dos parasitas tem vergonha e discrição. Só os
estudantes, na sua ingenuidade e candura, alardeiam o
abuso perante a complacência nacional.
Temos de dizer que a maioria dos universitários são jovens honestos e
sérios, que não concorda com o que é dito em seu nome. Mas deixam um
grupinho de dirigentes partidarizados manchar a sua reputação. Nisso não
os podemos censurar, porque tal reproduz a política a
nível nacional e local. Também aí somos nós que pagamos.

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