Público - 16 Mai 03

Males da Europa
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Um cidadão dirige-se a um serviço público - um hospital, um centro de saúde, um tribunal, uma esquadra de polícia - onde lhe marcaram consulta, entrevista ou inquirição para uma hora determinada. Ao chegar no horário estabelecido descobre que afinal a hora não era determinada, e que só será atendido depois de todos os outros cidadãos a quem marcaram a mesma hora, mas que chegaram antes e "tiraram senha", se despacharem. Pode ter de esperar meia hora, uma hora, uma manhã, o dia inteiro. O que parece ser indiferente ao serviço público e aos seus inamovíveis funcionários, que apenas responderão dizendo que a culpa não é deles. Nunca é deles.

Isto é Portugal, o país que se queixa de ter a produtividade mais baixa da Europa. O país cujo Estado e serviços públicos mais horas fazem desperdiçar aos seus cidadãos. E o país onde os funcionários inumeráveis desses mesmos serviços públicos consomem, em salários, a mais elevada proporção da riqueza nacional de todas as economias da União Europeia.

Como é Portugal o país onde uma lei justa - a que aproxima o regime de aposentação dos seus funcionários públicos do vigente no sector privado - encalha no Tribunal Constitucional por questões puramente formais: não se ouviram todos os sindicatos (serão umas dezenas...) que deveriam ser ouvidos. Agora terão de ser ouvidos e, depois de ouvidos, a lei, seguramente a mesma, já poderá ser aprovada. Pelo meio perdem-se uns meses e cria-se um imbróglio. Mas ninguém parece incomodado: afinal estamos na Europa, não estamos?

Sim, estamos. Na Europa onde, anteontem, os sindicatos dos transportes franceses fizeram votar, de braço no ar, uma greve sem pré-aviso e criaram o caos nas grandes cidades. Porquê? Para protestar contra uma lei da segurança social moderadíssima, que tenta salvar os rendimentos das gerações futuras e evitar o colapso de todo o sistema. Uma lei que por acaso não os afecta, mas não faz mal: é França, é Europa e eles são trabalhadores de empresas públicas.

Assim como é Europa - capital informal da Europa - a cidade de Bruxelas. A mesma cidade onde, também anteontem, um político esquerdista colocou num tribunal uma acção contra o general Tommy Franks, comandante da operação que libertou o Iraque de Saddam Hussein, acusando-o de "crimes contra a Humanidade". Isto depois de uma guerra em que os soldados tiveram, como em nenhuma outra guerra anterior, um cuidado extremo para evitar baixas civis. Como foi tal possível? Porque um país que nem é bem país, antes um conjunto de três regiões linguísticas que se esgatanham umas às outras, entendeu ter "jurisdição universal" para crimes de guerra. Assim, qualquer general da NATO - que por acaso tem a sede em Bruxelas... - passa a estar em risco de ser preso inopinadamente ao dirigir-se para uma reunião de rotina. O que pode levar os Estados Unidos a, sensatamente, exigirem que a sede da NATO saia de Bruxelas, um lugar onde os seus generais deixaram de estar em segurança.

Finalmente soube-se ontem que o motor económico da Europa, a Alemanha, está em recessão técnica, facto que não comove os sindicatos a abrirem mão de algumas regalias dificilmente sustentáveis nos dias que correm.

Tudo isto é Europa - ou, se preferirem males da Europa. Uma Europa onde realizar a mínima reforma é obra de Hércules. Uma Europa doente de conservadorismo no pior sentido da palavra. Uma Europa que depois se admira de ir ficando para trás...

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