Diário de Notícias - 19 Mai 03
Os agoiros
João César das Neves
Esta é a estação favorável aos agoiros. Se em Portugal se vêem sempre, em todas
as épocas e circunstâncias, é neste tipo de conjuntura que andam mais prósperos
e triunfantes. Os agoiros constituem uma das espécies endémicas mais típicas do
nosso país. Existem em todas as classes e profissões e em múltiplas variantes.
Mas a casta dominante floresce na economia. Reconhecem-se pelo ar conspirativo e
soturno e sobretudo pelas suas opiniões, que são sempre iguais.
O agoiro acha que isto vai correr mal. Acha sempre que isto vai correr mal. A
única coisa de que o agoiro tem a certeza é que isto vai correr mal. Este é o
seu sinal identificador, aquilo que faz dele um agoiro. A sua reflexão
particular e as informações especiais de que goza, e de que não pode revelar a
fonte, asseguram-lhe sempre com toda a certeza, um único resultado: isto vai
correr mal. Qualquer sinal de esperança é optimismo desmiolado, toda a reforma e
avanço vão falhar. Não lhe peçam para se calar: isto vai correr mal.
Todos reconhecemos à nossa volta uma enorme quantidade de agoiros. Há de muitos
tipos, desde os agoiros de café, que actuam a nível local na roda de amigos, até
aos agoiros oficiais, que falam na televisão. Todos eles sabem bem que isto vai
correr mal e que os sinais positivos são uma ilusão perigosa. Abanam a cabeça e
anunciam-no gravemente qualquer que seja a situação. Às vezes acertam. Por isso,
quando as coisas estão mal, como agora, entra-se na estação favorável aos
agoiros. Neste período eles incham. Ganham um ar algo prazenteiro, tanto quanto
lhes permite a gravidade natural, para significar um inevitável «Eu bem vos
disse.» Mas, acima de tudo, alteram um pouco a posição. A sua certeza passa a
ser que isto vai correr ainda pior. Eles têm informações e análises fidedignas,
que escapam ao cidadão comum, e que lhes asseguram uma certeza: isto vai piorar
ainda mais.
Os empresários, os jornalistas, os políticos (sobretudo na oposição) gostam
muito dos agoiros. Eles têm aquele ar ponderado e prudente de quem conhece a
vida e sabe que o mundo é difícil. Por isso há tantos agoiros em posições de
responsabilidade. Além disso, são ajudas preciosas para os grupos de pressão. O
diagnóstico pessimista justifica sempre a despesa pública. Os agoiros são
keynesianos e a sua única solução é dar subsídios, a teoria predilecta das
corporações.
Só que o agoiro, mesmo quando tem razão, é inútil. Os seus avisos são espúrios e
ele nunca fez nada pelo desenvolvimento nacional. A sua atitude não é sabedoria,
é facilidade; a sua opinião não é prudência, é timidez. O seu protótipo é o
«velho do Restelo»; o seu patrono é o conselheiro Acácio; o seu hino é o fado; o
maior viveiro é a repartição pública. O agoiro vê um período de crise, não como
uma fase na evolução natural, mas como um drama paralisante. O País não tem
obstáculos a vencer, tem vícios estruturais. As dificuldades não são desafios,
são fatalidades invencíveis. A recessão não é uma parte da vida económica, mas o
sinal da catástrofe. Por isso, ele esteve contra a adesão à EFTA e à CEE, como
contra os Descobrimentos. Repudiou o mercado único e o euro, como antes temeu a
democracia. Nunca percebeu porque critica o Tratado de Maastricht e o Pacto de
Estabilidade.
O agoiro às vezes tem razão. Mas se alguma vez tivéssemos seguido a sua opinião,
isto agora estaria mesmo muito mal.

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