Diário de Notícias - 24 Jun 08

 

Portugal tem "problema sério de violência na escola"
Patrícia Jesus

 

'Bullying'. As escolas são todas iguais e são todas diferentes, mas a violência é um problema global. A conclusão é dos investigadores reunidos na conferência mundial sobre o tema que ontem começou em Lisboa. Em Portugal, os responsáveis dizem que a situação melhorou, mas os alertas mantêm-se

 

Alunos e famílias têm de fazer parte da solução

 

"A violência na escola não pode ser dramatizada, mas também não pode ser esquecida". O apelo é de Carlos Neto, presidente da 4ª Conferência Mundial sobre a violência escolar, que decorre até quarta-feira, em Lisboa. O professor da Faculdade de Motricidade Humana considera que o fenómeno é mundial, "como mostram as centenas de trabalhos" que receberam, mas não tem dúvidas em afirmar que "temos um problema sério" em Portugal" no que respeita ao bullying. "A escola é para todos e isso tem consequências", explica.

 

Para o psiquiatra Daniel Sampaio, que só concebe uma escola inclusiva, que ensine para a diferença, a solução passa também por incluir todos na busca de respostas: escola, professores, famílias e os próprios alunos. "Impressiona-me que em Portugal nunca se pergunte aos alunos o que pensam da violência", disse.

 

O psiquiatra alertou ainda para a necessidade da indisciplina ser olhada como uma forma de violência que impede a escola de cumprir o seu papel, pouco depois de, na sessão de abertura da conferência, a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ter dito que é importante estabelecer uma diferença entre violência e indisciplina escolar, salientando que os fenómenos de violência estão circunscritos, enquanto os casos de indisciplina são mais generalizados. Maria de Lurdes Rodrigues revelou que "90% dos incidentes têm lugar em 5% das escolas", o que, segundo a ministra, mostra que o fenómeno é residual.

 

"Em locais marcados pela degradação, a escola é muitas vezes um local de paz, apesar de, às vezes, ser demasiado vulnerável", reconheceu. Para as escolas mais sensíveis, a ministra lembrou que existe um programa de discriminação positiva. "Actualmente 30 escolas - 20 em Lisboa e 16 no Porto - são alvo de medidas especiais através dos Territórios Educativos de Intervenção prioritária", referiu, não afastando a possibilidade de o programa ser alargado a outros estabelecimentos.

 

Diminuição no último ano

 

A ministra garantiu ainda que já houve uma melhoria dos resultados e uma diminuição do número de ocorrências. Uma visão que é partilhada pelo procurador-geral da República, que nos últimos meses se mostrou várias vezes preocupado com a violência nas escolas. "Se me perguntar se a situação é melhor hoje do que há um ano, eu digo que é melhor."

 

Pinto Monteiro considerou que não há uma violência generalizada nas escolas portuguesas, mas que é preciso combater o problema desde o início. Por isso, insistiu que as pessoas participem as situações de violência. "Porque o que não podemos fazer é esconder, fingir que não existe". Segundo o PGR, o seu apelo teve efeito: houve um grande aumento de queixas e a Procuradoria recebe cartas de alunos, de pais e de professores - "a maior parte vêm assinadas" - o que mostra que as pessoas sentem que as queixas são valorizadas.

 

Também Pinto Monteiro reconhece que este é "um problema universal, para o qual não existem receitas mágicas". "Não pode é ser um cadáver escondido no armário", alerta.

 

A conferência, promovida pela Faculdade de Motricidade Humana e pelo Instituto de Apoio à Criança, reúne em Lisboa investigadores de 55 países. Até quarta-feira, os especialistas vão partilhar experiências e apresentar mais de duzentas comunicações sobre o tema "A Violência nas Escolas e políticas Públicas".