O novo regime de arrendamento falhou. Mas o Governo
não parece decidido a atacar a raiz do problema,
ficando-se pelas 'aspirinas'
Em Portugal há 50% mais habitações do que famílias.
Mais de meio milhão de casas estão devolutas. No
entanto, temos 40 mil famílias a necessitarem de
alojamento urgente, 190 mil casas precisam de obras
(porque a reabilitação habitacional entre nós é
mínima) e meio milhão de fogos estão sobrelotados.
Actualmente existem apenas 750 mil casas arrendadas
(havia um milhão em 1980), enquanto 2,7 milhões de
famílias são proprietárias das casas onde habitam
(1,6 milhões em 1980). Uma proporção muito acima do
habitual noutros países europeus. É certo que, entre
2006 e 2007, os novos contratos de arrendamento
subiram 30%, mas a partir de uma base baixíssima.
Como há escassa oferta de casas para alugar, os seus
proprietários pedem rendas muito altas. Assim, a
solução para arranjar casa é um empréstimo
hipotecário para a comprar. Foi o que fizeram mais
de um milhão de portugueses, incentivados pelas
baixas taxas de juro trazidas pela entrada de
Portugal no euro.
Hoje, com os juros a subirem, muitas famílias estão
com a corda na garganta. Mas o crédito à habitação
continua a crescer, apesar de mais caro, pois parece
não haver outra saída. E aqueles que não têm
possibilidade de obter um empréstimo, por falta de
meios? Esses, naturalmente os mais pobres, vivem em
barracas, em quartos exíguos ou na rua.
Entretanto, a degradação das casas desertificou o
centro das cidades e cercou-as de dormitórios de
fraca qualidade urbanística. A deslocação da
população para as periferias urbanas levou à subida
do tempo e do dinheiro gastos no transporte. Os
engarrafamentos de trânsito aumentaram
exponencialmente, tornando um inferno a vida
quotidiana de muita gente.
A não actualização razoável das rendas antigas é
também um obstáculo à mobilidade dos trabalhadores.
Quem, pagando uma renda antiga, e por isso baixa,
numa casa numa cidade, aceitará ir viver e trabalhar
noutra cidade, num emprego mais bem remunerado, se
tiver de pagar dez ou 20 vezes mais por uma nova
habitação?
Esta situação absurda agrava-se desde há décadas. No
entanto, os governos ainda não actuaram para pôr
termo à injustiça social e ao desperdício de
recursos que a situação habitacional portuguesa
significa.
No Governo de Durão Barroso foi elaborado um
projecto de lei do arrendamento que enfrentava os
problemas. Mas não houve, então, coragem para o
tirar da gaveta. Honra lhe seja, o Governo de
Santana Lopes avançou com o projecto, em 2003, mas
não teve tempo de o levar à aprovação parlamentar.
Depois, o Governo de Sócrates fez aprovar um novo
regime, tão pesado e burocrático que logo se viu não
ir resultar, como não resultou. Menos de dez mil
rendas antigas (e ridiculamente baixas) foram
actualizadas com o novo regime. Mas o secretário de
Estado Eduardo Cabrita dizia ao Expresso a 3 de
Agosto do ano passado: "As medidas que tomámos estão
a produzir resultados magníficos."
Agora, parece que alguém se deu conta de que a
realidade é bem diferente. Um grupo de técnicos
apresentou um Plano Estratégico para a Habitação,
que foi bem recebido em meios governamentais. A
ideia (imagine-se!) é a de que importa estimular o
arrendamento em detrimento da compra de casa. Para
isso sugerem-se benefícios fiscais e outros apoios a
quem alugue casa para habitar. Ajudas que se poderão
revelar-se úteis, mas não passam de uma gota no
oceano.
O Plano até inclui uma proposta meritória: deixar de
construir bairros sociais, que se têm transformado
frequentemente em ghettos onde se fomenta a droga e
a criminalidade, passando o Estado a apoiar
directamente as famílias que não conseguem ter casa.
Só que continua a evitar-se resolver, a sério, o
problema central das rendas antigas e degradadas -
problema que muitos dos nossos parceiros na União
Europeia resolveram em devido tempo. O que
implicaria uma actualização gradual e realista das
rendas antigas, com apoios aos inquilinos sem meios
para pagarem os aumentos.
Alugar casa seria a solução racional para a maioria
dos portugueses, que não possuem meios financeiros
bastantes para pagar os custos elevados da habitação
em Portugal, comprando. Para usar um termo técnico,
não são "solventes". Enquanto não se actuar em
função desta evidência, continuará o reino do
absurdo. Jornalista