Quando apresentou o conteúdo da nova lei que
facilita o divórcio, o Governo apressou-se a
garantir que não pretendia criar, ou recriar, uma
questão religiosa. Curioso, porque o Governo usou
como pretexto para essa alteração números de
casamentos católicos dos últimos 40 anos, que
interpretou como uma perda de influência da Igreja
na sociedade portuguesa. Ora, se a Igreja perdeu
influência, quem é que a ganhou? O Governo? Quando
alguém perde influência, há outro alguém que a
ganha, pois a influência - o poder - não se recolhe
ao vazio. Quando o Governo justifica a legislação
que torna ainda mais precária e descartável a
instituição casamento, baseado na proclamada perda
de influência da Igreja, o que é que pretende?
Substituir a Igreja? Se isto não é uma questão
religiosa, então o que é?
O que é que o Governo entende por casamento? Não o
definiu. Estará a falar do mesmo que a generalidade
dos portugueses? É bem provável que não. A deputada
do Bloco de Esquerda bem tinha razão: o Governo
podia e devia ter ido mais longe; que cada um se
case com aquilo que quiser. Ao fim e ao cabo o
assunto há-de voltar à baila na próxima legislatura
socialista, com outros contornos...
(...) Por que é que o Governo não questiona e avalia
os efeitos do divórcio na sociedade portuguesa nas
últimas décadas? É o divórcio um bem ou um mal, a
prazo, para a sociedade? Não se trata de condenar
aqueles que, no fundo, são vítimas do crescente
recurso ao divórcio, mas sim de reconhecer que todos
os casamentos que se puderem salvar e todos os
divórcios que se puderem evitar redundam num bem
para as famílias e para a sociedade, e actuar em
consequência. A lei aprovada mina a confiança entre
as pessoas, desvirtua a palavra dada e a capacidade
das pessoas se comprometerem, permitindo o divórcio
de ânimo leve. Aliás, até é contraditória com o
conceito de casamento. Se é assim, para quê casar?
A tentativa, por um lado, de precarizar e tornar
descartáveis os casamentos de jure e, por outro
lado, equiparar de jure, como casamento, uniões
precárias, poderá acabar por transformar o casamento
- o que quer que se entenda por isso - em algo não
só indefinível como absurdo.
Mas, talvez haja, para tudo isto, uma razão obscura
de carácter marcadamente ideológico: é que o
divórcio é um pilar fundamental do credo
republicano, quase uma razão de ser dessa ideologia.
Na verdade, a ideologia republicana anda amarrada ao
divórcio desde sempre, ao ponto deste constituir uma
das suas principais receitas a aviar logo que chegam
ao poder. Foi uma das primeiras coisas que fizeram
após a implantação da república, ainda em 1910, em
1975 e agora em 2008, para abrilhantar os 100 anos
da mesma.