A economia portuguesa é uma das mais flexíveis e
dinâmicas do mundo. Esta frase, hoje tão controversa
e quase contraditória, permanece indiscutivelmente
verdadeira. As provas são fáceis de apresentar.
Portugal tem sido um sucesso notável de
desenvolvimento registando, no produto por habitante
em paridades de poder de conta, a oitava taxa de
crescimento mais elevada do mundo na média de 1960 a
2001. Só sete países no planeta melhoraram mais que
nós na segunda metade do século XX. Na União
Europeia, o "bom aluno luso" ainda é exemplo:
mantém-se como uma das economias pobres que mais se
desenvolveu nos primeiros três anos após a adesão,
só atrás dos três bálticos e Eslováquia. Além disso,
nos 20 anos de 1980 a 2001, tivemos a taxa de
desemprego mais baixa da Europa do Sul e a terceira
mais baixa dos Doze da UE.
Outros sinais são claros. O nosso país permanece a
única economia mundial onde um plano de
estabilização do FMI correu bem. Aliás, por duas
vezes, em 1977 e 1983. Em ambos os casos, a
austeridade funcionou rapidamente, resolvendo o
desequilíbrio em menos de três anos. Na sequência,
conseguimos ser um dos poucos países a viver 13 anos
no sistema cambial de crawling-peg, mecanismo que
conta mais fiascos que sucessos na sua história. É
precisa muita flexibilidade para sustentar a rigidez
dessa disciplina.
Também os importantes fluxos migratórios,
característica histórica hoje renovada, são sintomas
dolorosos do mesmo dinamismo e flexibilidade. A
enorme emigração lusa dos anos 50 e 60 bateu
recordes mundiais, com valores só ultrapassáveis por
casos de catástrofes naturais. Por outro lado, os
episódios de imigração, quer no regresso dos
"retornados" em 1975 quer desde a viragem do milénio
também são fenómenos em escala incomparável,
absorvidos na sociedade com custos elevados mas sem
perturbações de maior. Até algumas das chamadas
"chagas", como a precariedade do emprego e economia
paralela, são evidentes sinais de flexibilidade.
Muitas outras provas poderiam ser aduzidas para
substanciar a afirmação. Ela sente-se na recente e
incrível transformação estrutural no produto,
emprego e comércio externo. Em 35 anos absorvemos
40% da população activa, que estava na agricultura
em 1950. Em 15 anos substituímos 20% das nossas
exportações, que em 1990 eram têxteis. Hoje as
mudanças continuam evidentes, com o crescimento dos
serviços e o aparecimento de novos sectores. Se é
assim, porque estamos em crise há tanto tempo?
Existe uma serpente neste paraíso, uma Dalila para
este Sansão, uma kryptopnite deste Superman. O País
que fundou o mais longo e vasto império colonial da
História, que defrontou com sucesso a EFTA, a CEE e
o mercado único, conhece bem o veneno que corroeu os
sucessos iniciais nessas realizações. Não é difícil
compreender porque os dois trunfos do nosso
desenvolvimento, flexibilidade e improvisação, não
têm hoje os resultados de outros tempos. Contra eles
conspiram múltiplas forças paralisadoras, as mesmas
que nos bloquearam no passado. Enorme camada de
parasitas suga o progresso.
Os portugueses, que se excedem nos momentos de
dificuldade, costumam cair numa modorra quando tudo
corre bem. Após o obstáculo, onde revelámos o nosso
melhor, deslizamos para a complacência e
cumplicidade, pela instalação dos interesses,
bloqueio das corporações, paralisação das
burocracias. A economia portuguesa continua tão
dinâmica e flexível como sempre. A globalização
impõe hoje, como no passado, uma reestruturação, que
se verifica. Mas muito lentamente. O motor está
atrelado a um peso morto que tem de arrastar:
regulamentos e portarias, burocratas e mandarins,
impostos e multas, fiscais e inspectores, directivas
e diuturnidades, direitos adquiridos e justas
reivindicações.
Nos reinado de D. Fernando, D. João III e D. João V,
nos consulados do Duque de Loulé, António José de
Almeida e desde António Guterres, "um fraco rei faz
fraca a forte gente" (Os Lusíadas III, 138). Porque
a forte gente se deixou adormecer na apatia das
repartições.