O filme de animação consiste em dezassete minutos de
‘National Geographic’ para crianças, com a única
diferença de que os animais, desta vez, são os pais
delas
Nelson Rodrigues costumava dizer que ‘o sexo é uma
mijada’. A frase sempre despertou acusações de
boçalidade, sobretudo disparadas por boçais com
sérias pretensões de sofisticação urbana. Lamento
discordar. Lendo o homem, e sobretudo o teatro do
homem, entende-se facilmente que o sexo só é uma
‘mijada’ quando ele surge despojado de qualquer
dimensão privada e humana. Para a restante criação
animal, um veterinário basta para ensinar os
‘mecanismos’ da ‘cópula’ e os ‘resultados’ da
‘ejaculação’. Mas entre seres humanos, o sexo não é
uma questão técnica; é também, ou sobretudo, uma
questão de descoberta e intimidade, que nenhuma
escola pode, ou deve, ensinar.
Fatalmente, o dr. Daniel Sampaio não concorda com a
tese e na passada semana, em espectáculo televisivo
digno de registo, o psiquiatra Sampaio mostrou ao
país o que andam os nossos ‘veterinários’ a fazer
com as aulas de educação sexual. Primeiro, houve um
pequeno filme de animação, intitulado ‘Então é
Assim!’ (a frase típica com que o analfabeto
funcional gosta de iniciar a hostilidades), e que
pelos vistos tem ampla penetração escolar. A coisa
consiste em dezassete minutos de ‘National
Geographic’ para crianças, com a única diferença de
que os animais, desta vez, são os pais delas.
Depois, o dr. Sampaio tratou de anunciar, em insulto
directo a uma colega de profissão ali presente, que
qualquer discórdia perante o filme só mostrava os
‘traumas’ profundos que existiam na cabeça de quem
discordava. O gesto não mostrou apenas a elegância
do dr. Sampaio, um verdadeiro exemplo no trato com o
sexo oposto. O gesto ilustrou bem como o Estado
português entregou a cabeça das crianças à
tolerância destes sábios. O bom senso, que
normalmente se aprende em casa, aconselharia a fugir
deles enquanto as cabeças dos petizes estão
intactas. Mas é provável que isto seja apenas o meu
trauma profundo a falar.