Será
que a dor dos Mccannmerece tratamento VIP? João Miguel
Tavares
É uma pergunta insistente, que se tem vindo a
insinuar perante os meios colocados à disposição da
família McCann: porquê tantos privilégios, quando
outros na mesma situação tiveram tão poucos? Porque
há-de Maddie ser tratada de forma diferente de
dezenas de crianças que desaparecem todos os anos em
Portugal? A recompensa por uma informação relevante
já ascende aos quatro milhões de euros; o Fundo
Madeleine, para ajudar nas despesas do casal,
superou os 500 mil; um milionário inglês colocou à
disposição dos pais um jacto privado; o governo
britânico enviou-lhes um porta-voz; o papa Bento XVI
concedeu-lhes uma audiência. Afinal, o que há de
diferente na dor dos McCann para ela merecer
tratamento VIP?
A seguir a este raciocínio vem a análise
sociológica. Tudo isto só acontece porque (1) Maddie
é loira e de olhos azulados, (2) um anjinho
fotogénico com (3) pais que são médicos (4)
britânicos, e que estavam de (5) férias no Algarve.
Segundo esta teoria, é só quando se faz a conta, de
1 a 5, que o frenesim mediático em torno na criança
e a comoção pública que ela gerou encontram a
definitiva explicação. Certo? Certíssimo em termos
da mecânica da coisa. Mas completamente errado em
termos humanos.
Os McCann são católicos e há nos Evangelhos uma
passagem chamada Parábola dos Trabalhadores da Vinha
(Mateus 20, para quem ainda tiver Bíblia em casa).
Em versão adaptada a tempos laicos: um homem saiu
cedo para contratar trabalhadores para a vindima.
Encontrou uns pelas oito da manhã e combinou
pagar-lhes 50 euros pelo dia de trabalho. Contratou
outros às 11, uns às duas da tarde, e ainda mais
alguns às cinco. Acabado o dia de trabalho, começou
a pagar-lhes - e a todos, quer tivessem trabalhado
uma ou dez horas, pagou a mesma quantia: 50 euros.
Os que tinham estado a trabalhar desde manhã não
acharam graça e começaram a protestar: então nós
andámos a bulir o dia todo e tu pagas-nos o mesmo
que aos que só trabalharam uma hora? O homem
respondeu: "Amigo, em nada te prejudico, não
combinámos 50 euros? Toma o que é teu e vai. Porque
há-de o teu olho ser mau por eu ser bom?"
Eis uma pergunta que ecoa desde as profundezas dos
tempos: porque havemos de ter inveja dos privilégios
dos outros? O mal não é que os pais de Maddie tenham
este tipo de tratamento - o mal é outros não o
terem. Não são eles que devem optar pela resignação
pobrezinha; são os outros que deveriam ter idêntica
capacidade para impor a sua presença. A luta dos
McCann é dupla: contra o desaparecimento da filha do
seu quarto de hotel, e contra o desaparecimento da
filha da casa de todos nós. Eles sabem que a melhor
forma de encontrar Maddie é mantê-la na agenda
mediática. E essa clareza de pensamento vale mais do
que mil lágrimas derramadas.