Começando na carta aberta que os quatro bastonários
da área da saúde publicaram no Expresso de
sábado e acabando no relatório do Observatório
Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) apresentado
na terça-feira, tivemos uma semana muito
esclarecedora quanto às dificuldades homéricas que
enfrenta quem procura pôr em prática duas ou três
reformas modestas no quintal dos médicos e dos
farmacêuticos.
A carta aberta, para além de exibir um português
mais doloroso do que a vacina contra o tétano, está
empapada de ideias extraordinárias. Segundo médicos,
médicos dentistas, enfermeiros e farmacêuticos
(juntaram-se todos, que bonito), o Governo está a
agir como se a saúde fosse uma "mera actividade
económica", quando ela é, manifestamente, uma
actividade que paira acima do mundo, numa bela nuvem
branca. Daí que a filosofia que os nossos inspirados
bastonários querem ver aplicada à saúde seja a do
"custo de um valor sem preço". Que é uma forma
poética de dizer: a saúde não tem preço, porque não
havemos de ser nós a fixar os honorários? A
Autoridade da Concorrência, que para muitos -
incluindo Manuel Pinho - sofre de hiperactividade,
que se precate. Essa coisa de querer regular o
mercado é uma modernice sem préstimo, como o
relatório da OPSS, três dias depois, fez o favor de
demonstrar: no espaço de sete meses, a liberalização
da venda dos medicamentos não sujeitos a receita
médica ameaça dar em nada, com os preços a treparem
de mês para mês. Mas para quê preocuparmo-nos com
detalhes, se a saúde é um "valor sem preço"? Para
quê preocuparmo-nos com as acusações de que a
Associação Nacional de Farmácias (um autêntico
império, com um orçamento de 31 milhões de euros só
para 2006) anda a pressionar os grossistas que
vendem às lojas, e de que pode ter uma posição
dominante na própria distribuição? Para quê
preocuparmo-nos com o funcionamento de um sector que
consome anualmente 9% do PIB, ou seja, 13 mil
milhões de euros? Conforme-se, caro leitor e
contribuinte. É o custo de um valor sem preço.